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Vista da Enseada da Baleia, na Ilha do Cardoso: trecho, pertencente a São Paulo, pode passar para o território paranaense por força da erosão | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Vista da Enseada da Baleia, na Ilha do Cardoso: trecho, pertencente a São Paulo, pode passar para o território paranaense por força da erosão| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Parque busca nova área para a comunidade

Os responsáveis pelas duas unidades de conservação estão acompanhando o avanço da erosão na Ilha do Cardoso e discutindo os efeitos nas comunidades. Mário José Nunes de Souza, responsável pelo Parque Estadual da Ilha do Cardoso, conta que técnicos do Instituto Florestal de São Paulo estão visitando áreas que possam ser usadas para a realocação das famílias da comunidade de Enseada da Baleia, que deve ser a mais prejudicada pela erosão.

Leia a matéria completa

  • Malaquias, morador da ilha há 58 anos: futuro incerto
  • Antônio, filho de Malaquias: pescadores já percebem o fenômeno
  • Veja que o processo de erosão deve dividir a Ilha do Cardoso, em São Paulo

Enseada da Baleia - No dia 4 de abril vai ter festa na comunidade de Enseada da Baleia, na Ilha do Cardoso, que fica no estado de São Paulo, divisa com o Paraná. Antônio Cardoso, conhecido como Malaquias, vai comemorar 50 anos de casamento. Todos eles vividos lá, no mesmo lugar. Mas pode ser que essa história de amor continue em outro cenário nos próximos anos. As sete famílias da comunidade, todas formadas pelos descendentes de Malaquias, vivem num ponto da ilha que está prestes a passar por um fenômeno natural que nunca ocorreu na região nos últimos mil anos, diz o professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodolfo José Angulo. A ponta da ilha, com uma extensão de seis quilômetros, deve se desprender em consequência da erosão provocada pelo Canal do Ararapira. O rio separa o Parque Estadual da Ilha do Cardoso do Parque Nacional do Superagui, no Paraná.

Esse é o tema da dissertação de mestrado do oceanógrafo Marcelo Eduardo José Müller, 25 anos, aluno do Mestrado em Geologia do Laboratório de Estudos Costeiros do Departamento de Geologia da UFPR. Ele explica que o Canal do Ararapira vem provocando uma erosão constante e, com isso, a linha de costa está cada vez mais estreita nesse ponto da ilha. Em dezembro do ano passado, essa parte mais fina tinha 21 metros de largura, enquanto em 1980 eram 100 metros. Müller – que já tratou desse assunto na monografia da graduação em Oceanografia na UFPR – explica que a previsão é de rompimento em 2012, com a possibilidade de ser dois anos antes ou dois anos depois.

O que muda

O fenômeno nessa área de Mata Atlântica terá implicações na geografia da região e na vida das comunidades que vivem da pesca e do turismo. A partir do rompimento, explica o oceanógrafo, o Canal do Ararapira vai passar a desembocar no mar seis quilômetros ao norte do local em que desemboca hoje. Os pescadores que vivem na Vila de Barra do Ararapira, em Superagui, terão sua rotina alterada. Os que pescam na desembocadura terão de ir para outro lugar se quiserem manter sua forma de pescar. Já os que buscam o peixe mar afora terão um custo maior com óleo diesel para sair e voltar pela barra, tornando a pescaria ainda menos rentável. Além disso, o canal navegável que dá acesso à comunidade poderá ser assoreado, prejudicando o principal acesso à Vila de Barra do Ararapira.

Quando o Canal do Ararapira deixar de seguir até a ponta em que ele desemboca hoje, a tendência é de que essa passagem se feche, ou seja, a área que vai se desprender irá se juntar ao Parque Nacional do Superagui, prevê Müller. De acordo com o professor Angulo, orientador do oceanógrafo, trata-se de uma área de 180 hectares.

Mudança

Quem está do lado de São Paulo tem dúvidas a respeito do seu destino. Malaquias conta que já foi procurado pela direção do Parque Estadual da Ilha do Cardoso para discutir a mudança das famílias que vivem na Enseada da Baleia para outro local, mas nada foi definido. Depois de 58 anos morando na comunidade, Malaquias admite que terá de sair porque as consequências do fenômeno podem ser perigosas para quem vive perto do ponto em que a ilha deve romper.

Ele não é nenhum estudioso do assunto, mas sua experiência de homem do mar confirma o que as pesquisas de Müller e do professor Angulo apontam. O pescador conta que vem observando o estreitamento da ilha há pelo menos 25 anos.

"Não tem como parar", aposta Feliciano da Cunha, 58 anos, morador de Pontal do Leste, comunidade em que vivem 16 famílias. Tranquilo, ele garante que está encarando todo esse processo com naturalidade, mas não faz questão de grandes mudanças: "Quem perde a tradição, perde tudo".

Depois de 39 anos vivendo no mesmo local, seu único temor é deixar de pertencer ao estado de São Paulo e passar a ser paranaense. Segundo ele, o Parque Estadual da Ilha do Cardoso é muito bem organizado. Os moradores da região acreditam que a divisa dos dois estados é feita pelo Canal do Ararapira e sua desembocadura. Como ele deve mudar de lugar, quem vive na área que vai se desprender passaria para o território paranaense.

Impasse

Se depender da legislação vigente, não há esse risco. Quem defende a tese está baseado na Lei 7.525, de 1986, que trata da indenização que a Petrobras deve pagar aos municípios e estados pela exploração de poços de petróleo marítimos. A lei diz que a definição da divisa dos estados está baseada em uma "linha geodésica ortogonal à costa", ou seja, uma linha perpendicular (900), em direção ao mar, independente de marcos geodésicos, e sim da linha de praia.

Apoiado nessa lei, Sérgio Augusto Kalil, professor de Direito Constitucional da Universidade Positivo e da FAE Centro Universitário, afirma que as modificações geográficas não implicam em mudança de fronteira. A posição é compartilhada pelo geólogo Paulo César Soares, professor aposentado da UFPR. Segundo ele, a divisa é definida por coordenadas e não pelo Canal do Ararapira.

Mas a lei não convence a todos. O oceanógrafo Marcelo Eduardo José Müller lembra que a costa muda de inclinação a todo momento, assim como o Canal do Ararapira, a sua desembocadura e as praias. Para ele, "essa percepção da dinâmica costeira" pode não ter sido considerada pelos legisladores. Oduvaldo Bessa Júnior, diretor de Geociências do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Paraná, diz que em alguns dias o órgão poderá analisar melhor esse caso. Ele defende o estabelecimento de um marco que não seja vulnerável às marés.

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