Brasília O Ministério da Educação (MEC) prepara mudanças que irão vedar a criação de novas escolas para alunos com deficiência e "rebaixar" as já existentes a centros de atendimento. As medidas estão previstas na versão preliminar da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, divulgada no mês passado. Elas devem interferir na vida de cerca de 380 mil estudantes de 7 mil escolas especializadas e classes especiais espalhadas pelo Brasil.
Dirigentes dessas instituições consideram as alterações arbitrárias. De acordo com o MEC, porém, o único objetivo é ampliar o acesso dos portadores de deficiência às instituições regulares. "As orientações refletem uma concepção de educação fundamentada nos direitos humanos, em que o direito de todos à educação deve ser efetivado por meio do acesso às classes comuns do ensino regular", explica a secretária nacional de Educação Especial, Cláudia Dutra.
Segundo dados do censo escolar citados no documento que está sendo finalizado pelo ministério, havia 700.624 alunos com deficiência estudando no Brasil no ano passado. Desses, 375.488 estavam matriculados em escolas e classes especiais, enquanto 325.136 em instituições comuns. Desde 1998, houve um aumento de 640% nas matrículas de deficientes no ensino regular, porcentagem que deve ser expandida com a entrada em vigor da nova Política Nacional.
Os principais críticos a essas orientações são dirigentes das duas maiores entidades de apoio a deficientes organizadas pela sociedade civil as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) e as Pestalozzis. "Estamos no ramo há oito décadas e não estamos incluídos no processo. Aliás, nunca vi um trabalho de inclusão como esse em qualquer país do mundo, feito de cima para baixo", diz a diretora da Pestalozzi de Niterói (RJ), Lizair Guarino.
Existem 200 Pestalozzis no país, focadas no atendimento de pessoas com deficiência mental. Lizair foi a primeira secretária nacional de Ensino Especial do Brasil, em 1986, e reclama que as mudanças estão sendo propostas por quem não tem experiência no trato diário com o deficiente. "Todo mundo quer inclusão: o negro, o homossexual, o pobre e, é claro, quem tem alguma deficiência. Mas antes é preciso ver caso a caso, planejar um trabalho que realmente possa inseri-lo na sociedade."
Além de afetar a estrutura das escolas especiais, as orientações também devem modificar os convênios para recebimento de recursos. De acordo com o documento, serão celebradas parcerias apenas com instituições que estejam adequadas à nova política. Em média, o dinheiro do governo federal corresponde entre 30% e 50% do arrecadado por essas associações.
O presidente da Federação Paranaense de Apaes, José Turozi, diz que as intenções do MEC chegam a ser "ingênuas". "Não é por decreto que a situação vai melhorar. Já trabalhamos exatamente no que eles querem que é a inclusão, dentro de um conceito de educação integral. Agora, o que vai ser exatamente esse centro de atendimento?"
No Paraná, a Apae mantém 313 escolas especiais, que atendem os 399 municípios do estado. Em todo o Brasil, são 2 mil escolas para 280 mil alunos. De acordo com Turozi, o principal parceiro local não é o governo federal, mas o governo paranaense. Ele espera que essas orientações não possam limitar os convênios estaduais que já existem.
O descontentamento com a nova Política Nacional também chegou à Subcomissão de Assuntos da Pessoa com Deficiência no Senado. Na semana passada, o presidente e vice do grupo, senadores Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Flávio Arns (PT-PR), começaram a coletar assinaturas entre os colegas para barrar parte das novas orientações previstas no documento.
A intenção é discutir a reivindicação diretamente com o ministro da Educação, Fernando Haddad. "O governo acha que pode passar por cima da sociedade civil organizada. Não vamos permitir essa filosofia de desvalorização e desqualificação dos movimentos de pais e amigos das pessoas com deficiência. Até porque somos referência para o mundo", diz Arns, que é vinculado às Apaes e tem um filho deficiente.



