
Um retrato das mudanças climáticas que vão afetar o Brasil nos próximos 87 anos revela que as temperaturas vão subir, em todas as regiões, trazendo consequências como alterações no regime de chuvas; aumento ou diminuição no volume dos rios; impactos na agricultura, pesca e setor hidrelétrico; e até migrações forçadas. O diagnóstico foi apresentado na 1.ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, na semana passada, em São Paulo, com informações de 345 cientistas. O evento concentrou as mais importantes pesquisas sobre mudanças climáticas já realizadas no país.
INFOGRÁFICO: Veja as previsões de chuva e temperatura até 2100
A avaliação dos dados permitiu traçar o panorama nacional com projeções até o ano 2100, apontando como as mudanças climáticas devem atingir de forma diferente cada bioma brasileiro. Enquanto em algumas regiões as chuvas serão mais intensas, em outras, o volume das precipitações poderá cair pela metade. A variação térmica deverá ser menor no Sul do Brasil, mas a perspectiva é que a temperatura média nacional subirá ao menos 2,5°C até o final do século, podendo chegar a 6ºC na Amazônia durante o inverno.
Para Andrea Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, as alterações no clima promoveram "mudanças que já se fazem sentir". As pessoas já estariam se conscientizando de que existem fenômenos que causam impactos para a população urbana. "Principalmente nas cidades, há eventos extremos, como fortes chuvas, inundações, problemas na mobilidade", avalia.
Modelo nacional
Um dos formuladores da Política Nacional de Mudanças Climáticas, o engenheiro florestal Tasso Azevedo enfatiza que é preciso entender o sistema climático global para depois compreender o impacto local. "Até então, apenas os países desenvolvidos faziam modelagem climática em escala global. O Brasil entrou para o clube de países que conseguem gerar dados", comenta. Ele se refere ao Besm (Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre, na sigla em inglês), que estabeleceu os parâmetros nacionais para análise dos dados estatísticos do Brasil.
"Ao invés de falar como se o Brasil fosse uma coisa só, podemos fazer previsões para os biomas, para as bacias hidrográficas", exemplifica Azevedo. O Besm é um modelo global, sobre o qual rodam as previsões climáticas locais. O engenheiro florestal salienta que os dados brasileiros, em pesquisas internacionais, eram apresentados apenas na forma de médias, sem desconsiderar as variações internas. "Será possível associar a pesquisa nacional aos interesses brasileiros. Preparar-se para as adaptações e ficará mais claro qual o tamanho do desafio", comenta.
Brasil não pode se acomodar, diz especialista
A esperança de ambientalistas que discutem os impactos das alterações do clima é que o relatório apresentado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas seja um instrumento definidor de políticas públicas. "Esse documento permite apontar caminhos", resume Carlos Rittl, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia da WWF Brasil. Ele avalia que falta vontade política para que algumas ações significativas para a população sejam colocadas em prática. É o momento de determinar o que precisa ser feito "para evitar desastres e prejuízos que afetam a vida das pessoas e trazem problemas econômicos".
Rittl defende que o debate sobre mudanças climáticas não deve ser só sobre o aspecto ambiental, já que impõem uma série de desafios para o desenvolvimento do país. "Devemos discutir os ganhos de competitividade que teríamos se a indústria brasileira fosse ainda mais limpa", diz. Para ele, o Brasil se sustenta em um discurso muito confortável de que já fez muito pelo planeta. Apesar de reconhecer que a redução no ritmo de desmatamento contribuiu para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, o ambientalista analisa que muito há para ser feito. "Talvez do ponto de vista imediato, a nossa contribuição hoje seja mesmo maior do que outros países, mas isso não deveria fazer a gente se acomodar", finaliza.



