João e Daniel (*) saem da sala de aula e vão correndo para o pátio. Enquanto o restante dos colegas de turma vai brincar de bola ou de pega-pega, os dois meninos ficam em um canto, com suas próprias brincadeiras. Um coleguinha até se aproxima, mas a dupla é taxativa: "Queremos brincar sozinhos".
Esse tipo de comportamento é mais comum do que se imagina. A ideia de que se vai ter apenas um amigo na vida faz parte do imaginário de crianças de 7 a 10 anos, onde os pares se constituem pelas afinidades e empatias. Segundo especialistas do comportamento infantil, isso é normal. Porém, quando há al-gum tipo de sofrimento para a criança, serve de alerta para os pais.
No caso de Amanda (*), 9 anos, estudante de uma escola particular de Curitiba, é ela quem gostaria de fazer parte da dupla de amigas que não se separa nunca. Segundo a mãe, as três meninas estudaram juntas desde o maternal, mas a relação entre as outras duas sempre foi mais forte. Amanda é excluída de brincadeiras, o que a deixa magoada. A garota conta que as duas outras meninas sentam uma ao lado da outra na sala de aula, fazem as atividades em dupla e não aceitam a entrada de nenhuma criança na relação. "Não se desgrudam nunca." Mesmo sendo vizinha de uma delas, a estudante não visita a amiga porque a outra menina não gosta. "É muita insegurança. Se você aposta em um amigo somente, quando o perde fica sem chão", lamenta a mãe de Amanda.
Já na família Souza a exclusividade na amizade não é vista como algo ruim. Bruna é filha única e mantém uma amiga fiel desde a pré-escola. Conforme a mãe, a instrumentadora cirúrgica Rose Aparecida de Souza, 31 anos, a amizade das duas deverá durar para sempre, se as meninas quiserem. A filha Bruna escreve cartas contando que a colega de turma é a sua melhor amiga. "Como a Bruna não quer irmãos, ela transferiu seu carinho para a Isabella", comenta Rose. Para a mãe de Isabella, 9, a representante comercial Marlene Vargas, a relação é forte por causa da proximidade. Além de estudarem na mesma turma, moram no mesmo condomínio. Quando Marlene precisa, as meninas são levadas à escola por Rose e não é incomum Isabella ficar algumas horas na casa de Bruna e vice-versa.
Descobrir o outro
Geralmente a amizade exclusiva se mantém até a 4.ª série e pode ter aspectos positivos e negativos, lembra a psicopedagoga Laura Monte Serrat. O enxergar o outro faz parte do desenvolvimento na medida que se vai criando maturidade. Nesse momento, a criança consegue aprender a triangular. Na opinião de Laura, o problema está no adulto, que, ao ouvir o filho se queixando, acaba falando mal da outra criança, por exemplo. "As pessoas não são obrigadas a estarem sempre juntas, a gostar de todo mundo." Para que um comportamento normal, dentro dessa faixa etária, não vire um problema, ela aconselha aos pais que não valorizem tanto a situação e busquem conversar com os filhos. "As crianças precisam de defesas emocionais." Uma dica para diminuir a exclusividade é criar momentos de atividade que envolvam a cooperação do grupo.
Do ponto de vista psicológico, a socialização varia de acordo com a idade, informa a professora de Psicopatologia da Infância da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Leda Mariza Fischer Bernardino. Quando a criança tem entre um e dois anos, ela brinca em paralelo, ou seja, está em um grupo, mas brinca sozinha. Mais tarde, começa a descobrir o outro e iniciam-se as tensões familiares e escolares. E é nesse momento que é preciso que a criança tenha condições de refazer os vínculos antes com os pais com outras pessoas do seu convívio, aponta.
(*) nomes fictícios a pedido dos entrevistados.



