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 | Pedro Serápio/Gazeta do Povo
| Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo

Paulo Delci Unfried mora há 12 anos em Matinhos. Até a metade do ano passado, era casado e vivia com a mulher e o filho, de 9 anos. Ele era caseiro de uma residência na Praia Mansa, no balneário de Caiobá, e cuidava de outras residências vizinhas. Paulo era uma espécie de "segurança" no bairro e andava armado, apesar de não ter porte de arma. De repente, viu-se acusado do crime de maior repercussão no Paraná em 2009: o crime do Morro do Boi. Até o dia em que foi preso, havia cometido dois crimes: atropelou e matou um motoqueiro enquanto dirigia bêbado e foi detido por porte ilegal de arma. Além disso, tinha uma amante.

Porém, em junho do ano passado, foi preso com um revólver 38 – o mesmo usado para matar Osiris del Corso e para ferir a estudante Monik Pegorari. Paulo teria sido detido minutos depois de comprar um video game e uma garrucha do mesmo homem que teria devolvido para ele o revólver 38. Paulo é dono desta arma e a teria emprestado para um amigo no início de janeiro de 2009.

Preso, ele foi acusado de outros cinco crimes, quatro cometidos entre os dias 18 e 24 de junho. Em uma semana, o caseiro teria roubado quatro vezes e estuprado uma mulher. O video game apreendido com ele foi roubado da casa onde ocorreu o estupro. A garrucha foi levada de um dos locais assaltados dias antes da prisão dele, que aconteceu no dia 25 de junho.

Ao ter o filho ameçado de morte, segundo conta, confessou ser o autor da morte de Osiris e de ter atirado em Monik. Porém, quando ganhou a chance de se defender das acusações, já sob custódia do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), deu informações que levaram o Gaeco a considerá-lo inocente.

Depois de seis meses solto pela Justiça, Paulo ainda carrega o estigma de "criminoso do Morro do Boi" e todas as consequências disso. Ele recebeu a reportagem da Gazeta do Povo na casa dele em Matinhos, muito contrariado. Não gosta de repórteres depois da forma com que foi tratado pela imprensa. Confira os principais trechos da entrevista:

No dia 31 de janeiro de 2009, onde você estava?

Estava em casa. Minha rotina de sempre, no seu Carlos (nome fictício do ex-patrão). Daí à noite, quando foi às 21 horas, eu vim aqui para a Amanda (nome fictício da atual mulher). Nós saímos e fomos no baile.

O que você apresentou de provas sobre este dia?

Testemunhos de quem convivia comigo. Todo mundo me via na praia. O seu Carlos estava em casa com a família. Ele vem em dezembro e vai embora após o carnaval.

Como você ficou sabendo do caso do Morro do Boi?

Eu acordo cedo. Comprava jornal para o seu Carlos. Arrumava a piscina. Armava a barraca na praia. Rotina. Aí, quando foi de tarde, eu até fui na praia porque a Amanda estava lá. Ela até tem foto no celular daquele dia. Voltei para casa na hora do serviço, umas 14 horas. O seu Carlos estava no computador, mexendo na internet e saiu a notícia de que tinham encontrado a menina lá no morro.

Você disse no depoimento à Justiça que em janeiro de 2009 havia comprado um revólver 38. Por quê?

Comprei porque eu gostava de arma. A (ex) mulher não gostava. A Amanda também não gostava. Aí eu emprestei. Um colega meu pediu emprestado e eu emprestei.

Desde o dia do crime até você ser preso em junho a sua rotina mudou?

Não. Ia ao mercado todo dia, cheio de gente. Depois que eu fui solto é que fiquei sabendo que os policiais de Matinhos tinham a ordem de pegar e levar para a delegacia todos com mera semelhança (com o retrato falado do suspeito do crime do Morro do Boi). Eu morava do lado de um policial e de frente para outro. Conversava com eles direto e ninguém falou nada. Trabalhei na casa do seu Carlos até o dia de ser preso. A pergunta que você me fez: mudou? Eu senti alguma coisa. Um dia fui a um bar jogar e deu uma confusão. A polícia veio e revirou meu carro, como se tivesse procurando alguma coisa. Entendeu? Foi um pouco antes de eu ser preso. O Juarez veio para Matinhos para dar depoimento e naquela semana começou tudo.

A confusão no bar foi contigo?

Não, mas a polícia foi pro meu carro. Já pediram meu nome inteiro. Achei estranho e fui procurar saber onde estava minha arma.

Você demorou para recuperar a arma?

Não. Foi naquela semana que eu fui preso.

Como foi o dia em que você foi preso?

Fui pegar a encomenda, que seria minha arma e mais outra arma (a garrucha), que eu ia comprar. Nisso aí, já tinha o video game, que era do assalto. Eu peguei lá na praia (as duas armas e o video game) e já fui preso. Eles já estavam sabendo que eu ia pegar a arma neste dia. Peguei a arma e logo em seguida fui preso.

Como foi a abordagem deles?

Eles (policiais militares) ligaram a sirene e eu já parei. Abriram o porta-malas, viram as coisas lá e não deixaram eu falar nada. "É ele! É ele". Chamaram o camburão porque estavam com carro descaracterizado. Pegaram o meu carro e saíram. Eu estava lá preso, algemado. Depois de uma hora, me levaram para o mato e disseram que iam me matar. Deram tiro por cima... me bateram... me ameaçaram... falaram um monte. Falaram que já sabiam, que tinham filmagem. Eu falei: "Mata de uma vez, então." Aí me levaram para o quartel (da Polícia Militar em Matinhos). Logo em seguida, eles falaram que eu era semelhante (ao Juarez).

Como eles te bateram?

Eles me deram soco na boca, me ameçaram, deram tiros. Minha boca ficou estourada. Eu estava com o rosto desfigurado quando eu fui para a cadeia.

No quartel, eles te ameaçaram de novo? Bateram de novo?

Me bateram. Fizeram um monte... Fiquei lá a tarde inteira com eles fa­­­lando na minha cabeça. Fala­ram... (Paulo se emociona, pois, durante a tortura, os policiais teriam ameaçado matar o filho dele).

Como o video game chegou às suas mãos?

O cara me vendeu junto com a arma. O video game entrou para eles não desconfiarem que eu estava atrás da arma. Fui e pedi outras coisas. Não era para ter vindo a garrucha. Era para ter vindo uma espingarda porque eu gostava de caçar. Na verdade, eu queria minha arma de volta. Aí eu a peguei e me prenderam.

Como foi na Polícia Civil?

O que você quer que eu te diga, que foi um hotel de luxo? Não dá. Lá é f... Aí você começa a ver as coisas. Começa a sair lá fora toda hora, reconhecimento de uma sala para outra. "É ele. É ele." Pô, são cinco inquéritos batendo o pé que era eu. Aí chamei um advogado para me defender e ele me deu 20 anos de cadeia. Me pediu R$ 21 mil. Uma ameaça em cima da outra. "Você nunca mais vai sair da cadeia." Tem coisa que eu não gosto mais nem de pensar! Perícia da arma que sai em 15 dias foi feita em meia tarde! Minha cabeça dói só de pensar... neste inferno.

Você apanhou na delegacia?

Não. Lá não me agrediram, mas falaram bastante. Eles usaram mais o psicológico. Não chegaram a me agredir porque tinha um monte de gente, mas falavam toda hora. Falaram que estava tudo perdido, que tinha acabado tudo, que eu fizesse o que tinha que fazer.

Depois de uma semana preso, você confiava em alguém?

Nem em mim mesmo. Onde eu olhava tinha alguém tramando nas minhas costas. Em quem que tu quer que eu confie? Vendo tudo o que eu vi lá dentro? Nem em mim mesmo.

Você subiu para Curitiba quando o Gaeco entrou na história. Você ficou 15 dias lá preso, sem falar nada. Em que momento você percebeu que dava para confiar no Gaeco?

Na hora em que ela (a promotora) começou a me mostrar as coisas, que que eles estavam investigando. Na hora que eu pedi para fazer exame de sangue naquela mulher que foi feito o estupro, porque foi colhido material (do estuprador na mulher). Eu falei: "Eu quero fazer o exame de sangue". Como eu não devo nada, vamos lá. Eles falaram: "Então vamos fazer!". Aí, eu vi que eles estavam investigando. Foi onde eu me abri e contei para eles o que estava acontecendo. A mulher (Amanda) levou uma foto provando que não era capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo, que eles deixaram eu provar que não era o culpado dos crimes, foi quando eu ganhei confiança neles.

Você chegou a conversar com a Monik?

Ela ficou como daqui até a geladeira, no primeiro reconhecimento. Na hora em que o Juarez chegou, ela entrou em desespero. Tiraram o Juarez e quando foram tirar ela, eu arredei minhas pernas, para ela passar. Não conversei com ela. No mínimo, ela ia perguntar porque eu estava fazendo isso (assumir a culpa do crime). Mas ela não sabe meus motivos.

Passaram-se cerca de seis meses desde que você foi liberado pela Justiça. Como tem sido sua vida?

Olha, se eu não tivesse um pouquinho de gente que acredita em mim... Em vários lugares eu não tive apoio. Perdi tudo que eu tinha, emprego, tudo. Tem a mulher (Amanda), que está do meu lado desde o primeiro dia. Tô tentando levar a vida.

Você falou que ia a bar, bailes... Como tem sido sua vida social?

Chego às 18 horas, assisto televisão. Vou dormir. De manhã, vou trabalhar. Fico no meio do mato trabalhando. Venho para casa, almoço. Vou trabalhar. Esta é minha vidinha. Saímos uma vez só. Fomos a Paranaguá. E uma vez por mês, vou ao mercado... e quando vou.

E como é?

É terrível. Todo mundo fica olhando, cuidando. O segurança fica na gôndola em que eu estou. Mas tenho de conviver com isso, né? É aí que entra o que fizeram comigo.

Você mudaria alguma coisa do que você fez?

Não teria comprado aquela arma (o revólver 38, em janeiro).

Por que você acha que isso aconteceu com você?

Eu me pergunto isso. Eu era uma pessoa bem vista. Tinha amizade com todo mundo. Mas é aquela amizade, que eu achava que era amizade.

Você acha que é parecido com o Juarez e que isso influenciou?

Não. Não tenho nenhuma semelhança com o Juarez. Isso aí eles acharam não sei onde. Os policiais acharam.

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