Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Violência

Morte de dezenas de mulheres aguarda solução em Tamandaré

Famílias de vítimas cobram esforço da polícia para resolver assassinatos

Fábio Oliveira, quando jogava pelo Paraná: artilheiro no Remo | Albari Rosa / Gazeta do Povo
Fábio Oliveira, quando jogava pelo Paraná: artilheiro no Remo (Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo)

O desfecho rápido das investigações sobre a morte da universitária Ana Cláudia Caron, 18 anos, acendeu o debate sobre a polícia dos sonhos (ideal) e a polícia do cotidiano (real). A sociedade deseja aquela que desvendou em tempo recorde o crime que assustou Curitiba, num assalto que terminou em violência sexual, um tiro e os bandidos colocando fogo no corpo da estudante, encontrado em Almirante Tamandaré. Numa ação rápida foram detidos quatro suspeitos e recuperados objetos roubados da universitária, cuja família pertence à classe média e tem laços com policiais.

Mas a polícia real não consegue esclarecer dezenas de mortes e sumiços de mulheres na mesma Almirante Tamandaré, apesar do pedido de empenho feito por familiares de outras vítimas. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo, isso não ocorre porque a polícia investigativa não existe no país: ela não passa de ficção.

As mortes de mulheres sempre ocorreram naquela cidade. Elas já alimentaram protestos, a prisão de 17 policiais e ex-policiais, e investigações especiais com poucas conclusões práticas. Os suspeitos foram soltos no ano passado, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O júri da maioria pode demorar anos. Isso porque há recursos a serem enviados a tribunais superiores, em Brasília (DF).

Foram 35 casos somente entre 1994 e abril 2002, segundo a ONG Comissão do Movimento de Familiares e Amigos das Mulheres Assassinadas em Almirante Tamandaré e Rio Branco do Sul. Vinte e oito mulheres foram assassinadas e outras três estão desaparecidas. A conta inclui ainda quatro ossadas encontradas no período.

No entanto, a violência não parou aí. O advogado José Leocádio de Camargo, que defende um dos suspeitos, tem uma certidão que comprova que a prisão do grupo de policiais e ex-policiais não freou a matança. "Foram 28 mulheres e um homem, somente de abril a outubro de 2002, enquanto eles estiveram presos e ninguém investigou", afirma.

Mas nenhum fato repercutiu tanto como a tragédia da universitária. Por exemplo, a garota de programa Vanessa da Silva, 23 anos, morreu a poucos metros de onde estava Ana Cláudia, debaixo de uma linha de alta tensão, no Jardim Marrocos, perto da Rodovia dos Minérios. O corpo de Vanessa foi achado dois meses antes.

Mas a investigação sobre o assassinato dela não andou. A família só acredita numa solução divina. "Não adianta perder tempo. Eles só esclareceram a morte da universitária porque a família é rica. Eu já entreguei nas mãos de Deus", afirma Maria Aparecida, mãe de Vanessa.

Força-tarefa

A Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) montou uma força-tarefa que não mediu esforços para alcançar os matadores da universitária. Foram selecionados homens de elite das polícias Civil e Militar para ajudar o delegado de Almirante Tamandaré, Jairo Amodio Estorílio, e sua equipe.

O advogado Dálio Zippin, professor de Direito Penal e integrante da Comissão Nacional de Direito Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se encheu de dúvidas com a ação. "Será que isso aconteceu por que há um parentesco com um delegado de polícia? Por que não foram colocados 150 policiais à disposição, na morte anterior, da garota de programa. Aí, a estudante poderia estar viva? Estamos com quase 40 mulheres mortas em Tamandaré, a pior região da Grande Curitiba", afirma. Zippin diz ainda que o Paraná espera ter a polícia ideal, não a polícia de alguns. "Hoje ela está sucateada na região metropolitana, com falta de policiais e excesso de presos."

O delegado Jairo Estorílio chegou à cidade no mês passado, recebendo cerca de 2 mil inquéritos para concluir. "A polícia está trabalhando", diz. Estorílio citou exemplos, como a solução da morte da universitária e a prisão de Advanil Tavares Nogueira, suspeito de abusar e matar várias mulheres na região de Tranqueira. A polícia já tem contra ele indícios pela morte de Sônia Regina da Silva Flores de Souza neste mês. Ela sofreu violência sexual. Ele também é suspeito de outro estupro.

Há cinco anos, Nogueira foi investigado e preso pela morte de outra mulher, mas foi absolvido antes de ser levado a júri popular. Além disso, a polícia desconfia que ele possa saber algo mais sobre a morte da recepcionista Natalina de Fátima Kapp, porque eles eram vizinhos em Tranqueira. "Esse rapaz pode ser um psicopata", afirmou o delegado.

Natalina desapareceu no dia 28 de março de 2001, à noite, quando voltava do trabalho. Fazia o trajeto entre a casa do professor de Curitiba (APP-Sindicato) e a sua residência, em Tranqueira. O corpo dela foi encontrado num matagal, uma semana depois. A família da recepcionista cobra até hoje a investigação. "Não se sabe como ela morreu", disse a irmã da vítima, Rosalina Kapp. Ela já esteve em vários protestos, manifestações e reuniões, inclusive na Sesp.

"Fico revoltada com isso. Infelizmente as coisas só funcionam com pressão e influência política", reclamou. Rosalina contou que telefonou para a Sesp na semana passada, após a polícia resolver o caso da universitária, cobrando o mesmo empenho com relação à morte da sua irmã, mas não obteve resposta."O caso da Natalina não tem nenhuma solução. Já o assassinato da universitária foi esclarecido porque tinha pessoas influentes envolvidas", afirmou.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.