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Opinião

Jornalistas alimentavam síndrome de Estocolmo black block

Morreu o cinegrafista da Band Santiago Andrade. Quem sabe, agora os jornalistas brasileiros abram mão dessa síndrome de Estocolmo black block que vinham alimentando desde junho do ano passado. Já nos primeiros relatos sobre os protestos, havia referência a cinegrafistas sendo expulsos a tapas das manifestações por gente que se apresentava como a mais genuína e sincera representação do povo. Ora, aqueles "cinegras", como se diz no jargão jornalístico, eram muito mais povo e representavam muito mais o povo do que qualquer um dentre aqueles jovens candidatos a guia dos povos.

Era o caso de Santiago, há dez anos trabalhando em reportagem de rua pela TV Bandeirantes. Santiago, como tantos outros profissionais agora acossados em todo país, cumpriu dezenas de pautas importantes. Como é da natureza do seu trabalho, correu riscos, madrugou, filmou desastres, se escondeu de traficantes e denunciou a violência policial.

Os teóricos black blocks e afins não sabem ou fingem não saber disso. Ao contrário, proclamam que pessoas como Santiago deixaram de ser "povo" e transformaram-se em representantes da "mídia que mente", da "mídia burguesa" ou da "mídia de direita".

O curioso disso é que parte substancial dos próprios jornalistas havia se rendido ao encanto ninja black block e seu peculiar conceito de democracia baseado em depredação, intimidação e confronto. Os jornalistas denunciam abusos da polícia, desvios do poder público e infrações aos direitos humanos*, mas parte da categoria parece não estar convencida da sua legitimidade diante do primeiro slogan pueril de "mídia mente" gritado pelos camisas-negras. Os jornalistas, de junho pra cá, tiveram de esconder seus crachás, seus microfones e câmeras enquanto a trupe de preto e suas ações eram vistas como legítimas.

O verdadeiro povo, aquele que os camisas-pretas juram representar, desembarcou dos protestos faz tempo. Sobrou a tropa de camisas-negras e sua retórica de rojões. Pela memória de Santiago é bom que os jornalistas percebam isso.

*Se tiver dúvida, o leitor pode consultar as informações sobre jornalistas pressionados, processados e ameaçados por reportagens que envolvam esses temas.

Guilherme Voitch, repórter de Vida Pública da Gazeta do Povo

      O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, discutirá hoje em Aracaju mudanças na legislação sobre protestos de rua com secretários de Segurança de todo o país. A ideia é elaborar um projeto de lei para coibir atos de violência como o que matou, no Rio, o cinegrafista Santiago Ilídio Andrade — atingido por um rojão no dia 6 —, mas sem restringir a liberdade de manifestação. Ontem, durante encontro com representantes de entidades da categoria, o ministro defendeu a criação de uma "política de estado de proteção ao jornalista".

      Em outra frente, o Senado já começou a discutir ontem um projeto contra terrorismo. Mas o Palácio do Planalto atua para restringir a definição do crime, preocupado com a possibilidade dos movimentos sociais que organizam protestos serem enquadrados no texto, o que teria repercussão negativa para a presidente Dilma Rousseff em ano eleitoral.

      A interferência do governo vai atrasar a votação do projeto em pelo menos uma semana. Petistas defenderam ontem que o relatório apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), aprovado em novembro na comissão do Congresso que regulamenta dispositivos da Constituição, seja alterado e volte a ser discutido. Jucá afirma que os movimentos sociais não estão incluídos expressamente em seu texto, mas diz que, caso atos de terrorismo partam desses grupos, eles devem, sim, ser enquadrados na lei.

      O projeto define como terrorismo provocar ou infundir terror ou pânico generalizado, mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à privação da liberdade da pessoa. O crime passa a ser inafiançável, com penas de 15 a 30 anos de reclusão, em regime fechado. As penas sobem para 24 a 30 anos de prisão se houver vítimas. Depois de passar pelo Senado, o projeto ainda terá que ser enviado para análise da Câmara.

      A intenção dos parlamentares é aprovar o texto antes do início da Copa da Mundo, para ter uma definição legal sobre o crime de terrorismo até o evento que o Brasil vai sediar.

      Investigação

      Caio Silva de Souza, o rapaz de 23 anos acusado pela polícia de haver acendido o rojão que matou o cinegrafista da Band, estava foragido até a noite de ontem. Ele mora em Nilópolis e trabalha como auxiliar de limpeza no Hospital Estadual Rocha Faria, em Campo Grande.

      A prisão temporária foi ordenada na noite de segunda-feira, depois que ele foi reconhecido em foto pelo tatuador Fábio Raposo, preso desde domingo. Raposo entregou o rojão a um rapaz que conhecia de vista, mas não sabia o nome. Os dois são acusados pelos crimes de explosão e homicídio qualificado por uso de explosivo, e podem ser punidos com 35 anos de prisão.

      Cremação

      O velório do cinegrafista Santiago Andrade será amanhã, entre 7 e 11 horas, no Cemitério do Caju, na zona portuária do Rio. Em seguida, está prevista uma cerimônia reservada aos familiares até as 12 horas, horário da cremação. Os parentes de Andrade autorizaram a doação dos órgãos após ter sido declarada a morte cerebral do funcionário da Rede Bandeirantes na manhã de segunda-feira. Casado há 30, Andrade deixa a esposa, uma filha e três enteados.

      Repercussão

      A Organização das Nações Unidas (ONU) se disse ontem alarmada pela violência nos protestos no Brasil e condenou a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade. A Associação Mundial de Jornais e o Fórum Mundial de Editores, que representam 18 mil publicações, 15 mil sites e 3 mil empresas em mais de 100 países, enviaram carta à presidente Dilma Rousseff requisitando que o trabalho dos jornalistas seja exercido "com segurança".

      Como impedir atos de violência a jornalistas e manifestantes durante protestos de rua? Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

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