
Mais de 500 quilômetros separam Eliane Elias e Sonia Mara Soares, mas uma dor em comum as une: as duas perderam os filhos nos últimos meses em mortes suspeitas dentro dos Centros de Socioeducação (Cense) do Paraná. Os dois integram uma lista de sete adolescentes mortos sob custódia do Estado entre janeiro de 2011 e agosto deste ano.
Eliane foi a última das mães a chorar a morte de um filho internado em um Cense do estado. Moradora de Fazenda Rio Grande, Região Metropolitana de Curitiba, ela viu Edison Elias da Silva Santos, então com 16 anos, ser apreendido pela Polícia Militar após roubar um celular, que ela jura ter sido devolvido após o crime.
Mas a internação de Santos no Cense de Piraquara teve outra motivação. "Ele já havia sido detido por pichação e se atrasou no cumprimento de medidas socioeducativas de Liberdade Assistida", diz Eliane. O gosto pelo spray vinha de muito antes da adolescência. "Ele gostava de desenhar e fez dois desenhos enquanto esteve internado".
Edison ficou menos de 40 dias no Cense. No 38.º foi encontrado morto, com sinais de asfixia. Segundo a mãe, a administração do local comentou que há indícios de suicídio, o que ela considera improvável. "Ele não tinha potencial suicida. Foi morto por outros internos que queriam usar drogas", sugere a mãe.
Argumentação parecida tem a mãe de Ruan Diogo Soares Araújo, 17, que foi encontrado morto no dia 5 de maio do ano passado, no Cense Pato Branco. "Eles disseram que foi suicídio, mas outro interno contou que meu filho foi asfixiado por um companheiro de alojamento e depois simularam o enforcamento com um lençol. Ele estava sendo ameaçado após uma confusão envolvendo um cigarro de maconha encontrado em sua cela", afirma Sônia.
Corretora de imóveis, Sônia fez contato com três advogados diferentes para tentar comprovar sua tese. Ela, inclusive, decidiu conhecer mais a fundo a Justiça para buscar seus direitos. "Estou estudando as leis e vou comprovar que o Estado foi negligente: o Ruan foi detido por porte de drogas, mas foi internado com homicida", diz a mãe.
O processo aberto por Sônia corre em segredo de Justiça, mas ainda não gerou uma ação civil pública contra o governo. Segundo um dos advogados que atendeu a corretora de imóveis, esse seria o próximo passo caso ela dê prosseguimento à ação.
Além dos filhos de Eliane e Sônia, as outras mortes de adolescentes ocorreram em Piraquara, Maringá (2), Laranjeiras do Sul e Ponta Grossa esta última na carceragem da 13.ª Subdivisão Policial. Segundo promotores e juízes ouvidos pela Gazeta do Povo, essas ocorrências podem estar relacionadas a um baixo efetivo dos Censes e à superlotação desses locais.
"Desde a extinção da Secretaria da Criança e Juventude, temos certa dificuldade no atendimento socioeducativo. Houve grande redução na área dos funcionários e, por isso, não temos um atendimento psicológico e social consolidado na unidade [de Maringá, onde ocorreram duas mortes]", afirma Mônica de Azevedo, promotora da Infância e Juventude do município do Noroeste do estado.
Apesar de não atender nenhum dos municípios em que foram registradas as mortes, a juíza Maria Roseli Guiessmann, da Vara do Adolescente Infrator de Curitiba, critica a gestão atual do sistema de reintegração dos jovens infratores. "Eles [o governo do estado] não estão investindo na socioeducação e faltam educadores sociais. Com uma equipe boa e treinada, essas mortes não aconteceriam".
CNJ vê falhas no sistema do Paraná
Após visitar os 18 Censes do Paraná e as 16 Varas da Infância e Juventude do estado, juízes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontaram em um relatório a necessidade de avanços no sistema de ressocialização de jovens infratores paranaenses.
Em um dos pontos do documento, o CNJ afirmou que muitos adolescentes são internados em unidades bastante distantes dos municípios de origem, apesar de as unidades paranaenses estarem alocadas em polos regionais. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) prevê, porém, que o adolescente responsável por ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa deve ser internado em unidade próxima de sua residência.
O conselho apontou ainda viés segregacionista no atendimento aos adolescentes, já que eles ficariam tempo excessivo nos alojamentos. Segundo Isabel Mendes, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB-PR, isso ocorre por falta de educadores. "Também por isso em algumas unidades o adolescente tem apenas duas horas de sol semanais".
Segundo o conselho, "a quantidade de psicólogos, pedagogos e assistentes sociais é insuficiente em muitas unidades e, embora não haja superlotação, o número de adolescentes internados é superior à quantidade de vagas".
Descumprir o ECA vai gerar exoneração
Uma nova lei, a 12.594/2012, que visa a garantir os direitos de adolescentes infratores por meio de medidas socioeducativas entrou em vigor no último dia 18 de abril, com prazo de seis meses a um ano para a adequação dos órgãos competentes. O texto criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e prevê até a exoneração de agentes públicos caso não sejam cumpridas as determinações legais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Lei estabeleceu que as medidas de ressocialização em meio aberto serão competência dos municípios, enquanto as medidas de restrição de liberdade continuam com os estados.
Uma seção exclusiva do sistema obriga que adolescentes com indícios de transtorno mental passem por avaliação rigorosa de especialistas e, caso seja necessário, a internação pode até ser suspensa de acordo com decisão judicial. Das sete mortes de jovens sob custódia do estado do Paraná, cinco foram noticiadas pela imprensa como suspeitas de suicídio.
A lei foi comemorada por especialistas no assunto. "Agora, a entidade considerada falha será interditada e os diretores retirados dos cargos. Essas mortes não ocorreriam se houvesse material humano capacitado e o número de adolescentes por alojamento fosse respeitado", argumenta o promotor Mario Luiz Ramidoff, especialista na área de criança e adolescente.
O Sinase, porém, não se limita a estabelecer parâmetros para órgãos públicos. As famílias também serão responsabilizadas até mesmo criminalmente em caso de descumprimento do Plano Individual de Atendimento (PIA), conjunto de medidas que visa à socioeducação do jovem infrator e conta com a participação dos pais ou responsáveis.



