
Nos 416 anos de história, são poucos os que tiveram o privilégio de circular entre os livros da biblioteca do Mosteiro de São Bento, a mais antiga em funcionamento da cidade de São Paulo. Menos ainda são os que manusearam os livros mais raros do acervo de 105 mil obras: 581 títulos publicados entre os séculos 15 e 18. Entre eles estão seis incunábulos, livros rudimentares dos primórdios da imprensa, que mesclam o manuscrito com os tipos móveis.
Este tesouro encravado no coração da cidade, protegido pela clausura dos monges beneditinos, começa a se tornar mais acessível ao público em geral. Há três meses, o software usado na indexação desses livros foi substituído por um mais moderno. Assim, a partir do primeiro semestre do ano que vem qualquer um poderá saber, entre mais de 20 mil livros já catalogados no software, quais constam na base.
"Isso vai simplificar nosso processo, já que aquele que precisar consultar um livro de nosso acervo já entrará em contato conosco sabendo que ele existe aqui", explica o bibliotecário Marcelo Delvalle, que trabalha ali há dois anos. Qualquer pesquisa na biblioteca é autorizada apenas mediante agendamento prévio. Atualmente, a própria equipe é responsável por checar se a obra desejada existe ou não no acervo. O pesquisador não tem acesso ao interior da biblioteca; recebe e consulta o livro em uma sala anexa. Hoje, trabalham ali cinco pessoas: Delvalle, um auxiliar e um monitor, além de dois religiosos.
Obrigação
"Não existe mosteiro beneditino sem biblioteca", diz o monge-bibliotecário João Baptista. Isso porque a leitura, mais do que uma paixão, é obrigação e oração para os religiosos da Ordem de São Bento, medieval organização fundada pelo santo católico que viveu entre os anos 480 e 550. As normas da vida monástica foram sistematizadas em um livro de 73 capítulos, conhecido como Regra de São Bento, cuja autoria é atribuída ao santo.
Tal regimento é observado por cada um dos 37 monges que vivem no claustro do Largo de São Bento. O que significa que, desde que os primeiros beneditinos chegaram a São Paulo, em 1598, o silêncio da madrugada da abadia é rompido pontualmente às 5h05, quando um deles badala o sino que desperta os companheiros. Vinte e cinco minutos depois, todos ficam a postos no altar da Basílica de Nossa Senhora da Assunção, a igreja contígua ao mosteiro. Ali, entoam o Ofício Divino, primeira das cinco orações do gênero celebradas diariamente.
Mas a chave da biblioteca está no capítulo 48 da Regra. Ele recomenda que os monges se entreguem diariamente ao trabalho e livros. Isso fez com que, historicamente, todo mosteiro nascesse com uma coleção de obras. "Não é exagero dizer que nós, monges, somos responsáveis por preservar boa parte da cultura ocidental durante a Idade Média", diz Baptista.
Entre os beneditinos, o hábito de ler é cultivado até durante as refeições: enquanto os outros, em silêncio absoluto, comem, um monge recita textos sagrados e trechos de livros de Filosofia, História, Sociologia.




