
Se não se dispuserem a pagar do próprio bolso, policiais militares e civis de unidades não especializadas podem passar longos períodos sem disparar um único tiro em treinamento. De acordo com policiais ouvidos pela Gazeta do Povo, esse insumo chega a custar quatro vezes mais no Brasil devido à ausência de concorrência no mercado e a limitações legais para importação, o que acaba limitando os treinos de tiros a unidades de elite.
INFOGRÁFICO: Veja quanto custa a munição utilizada pela polícia aqui no Brasil
A produção e comercialização de munições no país são realizadas majoritariamente pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), empresa com sedes em São Paulo e Rio Grande do Sul e que comprou recentemente outras duas unidades na Europa. A Industrial de Material Bélico do Brasil (Imbel) também atua no setor, mas com produtos pouco comuns às polícias brasileiras. Sem concorrência, a CBC vende o milheiro de munições .40 S&W, por exemplo, por um preço quase quatro vezes superior ao praticado em países como os Estados Unidos.
A saída seria importar. Mas esse recurso é regulamentado pelo Exército Brasileiro, que o proíbe caso um produto similar seja fabricado no país. Quando autorizado, a munição é sobretaxada em 150% do seu valor por não ser considerada produto essencial. Para o editor-chefe da revista Magnum, especialista em armamentos, o preço das munições está ligado a essa situação de mercado. "O custo da munição é alto em função do monopólio, que já tentou ser quebrado por outras duas empresas, mas elas naufragaram", explica.
Nesse cenário, o investimento dos estados brasileiros na compra de munições e explosivos, que já não é alto, fica ainda mais enxuto. Nos últimos três anos, o Paraná investiu cerca de R$ 19 milhões na aquisição desses materiais, pouco mais de R$ 1 mil por policial valor suficiente para 200 munições.40 por agente. Em São Paulo, essa relação é ainda menor.
Parados
Com pouca munição custeada pelo Estado, há casos de policiais sem treinar tiro há mais de uma década. "Meu último treinamento foi no início dos anos 2000, quando estava em uma especializada. Isso é ruim porque tira a confiança", disse um delegado distrital de Curitiba, que pediu para não ser identificado.
Há, porém, quem recorra ao próprio bolso para não "enferrujar". Um policial de uma unidade especializada de Curitiba disse gastar mais de R$ 2 mil com sessões de treinos em clubes de tiros, valor que poderia ser ainda maior se ele não se valesse das chamadas munições remontadas formadas a partir de cápsulas já deflagradas ou vencidas. "Faço isso porque o treino de tiro auxilia a mecanizar os movimentos. Quanto maior a preparação, mais apto o policial fica para proteger sua vida e de quem está próximo da ocorrência".
Especializados treinam com regularidade
Com o alto custo da munição, o treinamento regular de policiais fica restrito àqueles que estão lotados nas chamadas unidades especializadas. Na Policia Civil, o Tigre, grupo que se notabilizou por solucionar casos de sequestros, realiza treinamentos semanais. Já o Comando de Operações Policiais Especiais (Cope) também teria treinos regulares, mas com menor frequência.
A Polícia Militar disse que o treinamento para todos os policiais é constante, mas que não informaria frequência por questão de segurança. A reportagem apurou que os homens do Comando e Operações Especiais (COE), vinculado ao Batalhão de Operações Especiais (Bope), treinam semanalmente. Já os da Tropa de Choque e da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (Rone), também do Bope, teriam treinos mensais.
Alta letalidade da polícia não é coincidência
A falta de treinamento é apontada por Luís Flávio Sapori, do Centro de Estudos em Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como uma das causas da alta letalidade das polícias brasileiras, que mataram no ano passado três vezes mais do que a americana. "Parte do fenômeno da letalidade está relacionado à baixa capacitação técnica dos policiais. Principalmente para aquele tiro não letal, que apenas imobiliza o oponente. Isso requer treinamento com arma de fogo, que por sua vez demanda dinheiro", diz o sociólogo.
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança, 1.890 pessoas morreram em confronto com a polícia no Brasil em 2012 cinco por dia. No Paraná, foram 167 uma a cada dois dias. Já nos EUA, foram 410 mortes.



