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O frio de Curitiba e região metropolitana chegou antes da hora para o professor de Geografia Marcos Ambrósio Morello, 25 anos, natural de Marumbi, no Norte do Paraná. Foi em fevereiro. E na espinha, logo que leu sua nomeação para trabalhar no recém-inaugurado Colégio Estadual Irmã Ambrósia Sabatovich, na Colônia Marcelino, em São José dos Pinhais. O forasteiro não pensou duas vezes: pediu socorro ao Orkut, no qual encontrou a página "Curitibanos para não-curitibanos". São José e Curitiba, na sua avaliação, deveriam ser a mesma coisa, como um grande aeroporto. Ao vencer o poeirão dos cerca de 30 quilômetros de estrada de terra que separam o centro de SJP da escola, descobriu que estava errado. Nem São José, nem Curitiba, muito menos Marumbi – a Colônia Marcelino só se parece a ela mesma.

O que Marcos Ambrósio viu foi um vilarejo de uma rua principal ligando duas pequenas colinas, a dois quilômetros uma da outra. Em cada uma, uma igreja, de modo que a melhor vista de um lado e de outro é sempre a mesma – ora a torre da São Pedro, ora a cúpula da Santíssima Trindade. O resto é uma inacreditável paisagem de pinheiros e uma dezena de casas à beira. Ao todo, estima-se que 200 famílias vivam em Marcelino. "Foi um choque. Isso aqui é muito bonito", festeja Marcos. Ainda bem que o ano é 2006. Caso contrário, teria de procurar um atalho até chegar à distante Estrada Velha do Mato Grosso, em Campo Largo, muita usada em outros tempos, e dar aulas em outra freguesia.

Nos idos de 1897, quando a Colônia Marcelino começava a ser chamada assim, a convivência entre as duas levas de imigrantes que ocuparam a região – os poloneses e os ucranianos – não era propriamente um exemplo de paz mundial. Os poloneses faziam pierogi. Os ucranianos, perohê. Cada um na sua – inclusive na sua igreja e, como manda a tradição, construída no ponto mais alto. Quis Deus que a colônia tivesse duas altitudes elevadas, resolvendo parte do problema. A outra parte, a das diferenças étnicas, o vento se encarregou de levar.

Idade

A veterana Anastácia Guerra Claudino, 82 anos, depois da irmã Polônia é a mulher mais idosa de Marcelino. Ela lembra que o pai, um polonês, azedou o casamento de uma das filhas com um ucraniano. Quando a própria Anastácia decidiu subir ao altar – da Igreja São Pedro, claro – deve ter rezado até para a Santíssima Trindade à espera de um milagre: o noivo era o que os imigrantes europeus chamam de "um brasileiro", da família Claudino, antiga no local. Para sua surpresa, teve final mais feliz do que a mana. "O pai disse que não queria misturar raças. Mas nos abençoou. Meu filho, foi há tanto tempo. Não é mais assim."

Verdade. Larissa Kresser Claudino, 8 anos, um dos 24 netos de Anastácia, não imagina nem em sonhos como era a vida nos tempos em que as duas comunidades não partilhavam do mesmo panka – o pão que é abençoado e repartido na noite de Páscoa. A garota é uma cidadã da Marcelino que chegou ao século 21 ainda melhor do que quando começou, no final do século 19. Apesar de as casas já terem muro por causa dos assaltos e de não haver celular nem telefone fixo – apenas telefone rural. "Para ligar, tem de subir num pinheiro", ironiza uma das irmãs das Servas de Maria Imaculada, atuantes na colônia desde a década de 30.

Larissa pertence a um mundo de famílias em que o ucraniano ou o polonês ainda são falados em casa e no qual as tradições nem merecem esse nome, pois são comuns como lavar roupa ou tomar café da manhã. É o caso do preciosista bordado em ponto-cruz, para as meninas, e o preshenka, o passo de dança que os meninos fazem agachados, alternando extensões das pernas e braços, um movimento que deixaria os mortais arriados um mês.

Faz tudo

"Isso aqui é um paraíso", diz Jorge Claudino, que viveu dez anos no Boqueirão, em Curitiba, até voltar correndo e se tornar um faz-tudo na colônia, da associação de pais e mestres ao grupo de dança ucraniana Soloveiko. O ministro da Eucaristia Hermínio Inkot – descendente dos pioneiros no local – apóia. "Quem tem a chave do Paraíso é São Pedro", diz, para bons entendedores. Risos. As chaves estão com São Pedro, mas o céu vive passando na frente da Santíssima Trindade, dos ucranianos, inclusive no Domingo de Páscoa. Hoje, cerca de 70 jovens, não importa bem o sobrenome, fazem a hailka, uma tarde inteira de brincadeiras. Concorridíssimo. E segunda-feira tem Pascoela, um dia de feriado a mais, como era antigamente. Falando, não dá para acreditar.

"Vamos estar em por volta de 70 pessoas", calcula a educadora Cristiane Nogas, 25 anos, um dos quatro filhos do empresário da camomila e da erva-doce desidratada, Pedro Nogas, e da dona de casa Neonília. A jovem que já foi à faculdade divide seus dias entre a escola em que leciona, as apresentações de dança no Soloveiko e as atividades na Igreja da Santíssima Trindade. Ela sabe literalmente tudo sobre sua aldeia. Sua persistência é uma garantia de que um dia meninas como Larissa vão participar da hailka. E de que Marcos, o moço de Marumbi, devia criar no Orkut o endereço "Colônia Marcelino para todos".

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