
Considerada a pior dos últimos 50 anos em alguns estados do Nordeste, a seca está provocando um confronto que só se imaginaria no futuro: a guerra pela água. Em Pernambuco, essa luta já começou com tiros, morte e exploração da miséria. Protestos desesperados são registrados não só lá, mas em várias regiões do Semiárido, onde a estiagem já se alastra por 1.100 municípios nordestinos.
Em Pernambuco, 66 municípios do Sertão e do Agreste estão em estado de emergência reconhecido. O quadro tende a se agravar, já que a temporada de chuva está encerrada e os conflitos aumentam. Em Bodocó, no início do mês, o agricultor João Batista Cardoso foi cobrar abastecimento regular na sede local da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e acabou morto. João Batista se desentendeu com o chefe do escritório da estatal, José Laércio Menezes Angelim, que disparou o tiro e hoje está foragido.
Outra face cruel para as vítimas da seca é a exploração: se no passado eram os coronéis que manipulavam currais eleitorais distribuindo água, hoje as denúncias recaem sobre "pipeiros", geralmente candidatos a vereador, e seus cabos eleitorais, donos dos caminhões de água. A situação está tão grave que o governo decidiu rastrear todos os carros-pipa que circulam na Caatinga. Na terça-feira, a Compesa começou a desencadear operações para conter também o furto da água. Prevista para durar três meses, as ações contam inclusive com helicóptero. Até a última quinta-feira, foram detectados 13 pontos suspeitos, com registro de desvio para campos irrigados. A água roubada do estado também abastecia reservatórios para carregar pipas.
"Os donos dos caminhões ganham por dois lados: recebem do governo e o voto do povo", reclamou Francisco da Silva, sindicalista da região. De acordo com o secretário estadual de Agricultura, Ranilson Ramos, há 800 pipas rodando a caatinga, custeados pelo estado para atender as famílias.
Perdas
No Piauí, 152 municípios do Semiárido, onde vivem 750 mil pessoas, estão sofrendo com a seca. No estado, um caminhão-pipa de até 15 mil litros de água não sai por menos de R$ 120 e as perdas das lavouras de milho, feijão e mandioca foram de 100%, contabilizou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Evandro Luz.
No estado, não há chuva forte desde julho. Por falta de alimentos, pequenos criadores estão soltando o gado para que os animais procurem água e pasto ou para que morram. "Vivemos a maior seca de nossa história", disse Wilson Martins, governador do Piauí, que em abril participou da reunião com a presidente Dilma Rousseff que liberou R$ 2,7 bilhões para minorar os efeitos da estiagem e anunciou a Bolsa Seca de R$ 400. Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetap), os recursos ainda não chegaram.



