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“Quando o cara chega para o programa, percebe que não é nada daquilo que viu na propaganda. É tudo ilusão. Na foto parece uma deusa, mas na porta aparece uma baranga”. Ex-panfleteiro de casa de prostituição |
“Quando o cara chega para o programa, percebe que não é nada daquilo que viu na propaganda. É tudo ilusão. Na foto parece uma deusa, mas na porta aparece uma baranga”. Ex-panfleteiro de casa de prostituição| Foto:

Todos os dias, de segunda a sábado, eles percorrem de meia em meia hora cada um dos 1.858 telefones públicos da área central de Curitiba. Às vezes, se juntam em arrastão numa varredura mais completa onde há maior concentração de orelhões. Precisam ser ágeis no serviço, mas ainda assim não passa semana sem que ao menos um deles caia nas mãos da polícia. Eles são os panfleteiros do sexo, que trabalham às claras para divulgar um negócio feito às escondidas. Pagos para entupir as cabines telefônicas com publicidade de casas de prostituição, vivem numa acirrada disputa que já rendeu muito quebra-pau e os forçou a fazer um acordo informal. Assim, Curitiba foi loteada por zona. Literalmente.

Por uma diária entre R$ 30 e R$ 50, homens, mulheres e adolescentes trabalham abastecendo os telefones públicos com minipanfletos ofertando sexo barato. No Centro da capital, não há orelhão que já não tenha virado balcão de anúncio, cheio de prospectos de conteúdo impróprio para menores de 18 anos. Muitos panfleteiros recolhem a propaganda do concorrente para pôr a sua. Esse tira-e-põe provocou muitas brigas. "Teve até morte, mas a polícia nunca vai conseguir provar que foi por causa disso", revela um rapaz que por oito meses trabalhou para uma cafetina conhecida como Rosana, a Loira. "O jeito foi entrar num acordo e dividir a cidade", diz.

O zoneamento delimitou a panfletagem aos telefones públicos próximos do local onde será feito o programa sexual. Ou seja, a turma da Loira, por exemplo, usa os orelhões localizados nas imediações das casas que ela mantém. Essa estratégia já era adotada para facilitar a vida do cliente, mas o problema é que há concorrentes no mesmo prédio, e continuarão disputando os mesmos telefones. Essas casas são, na verdade, apartamentos residenciais onde travestis, garotos e garotas de programa recebem os clientes. Cafetões alugam vários apartamentos em condomínios comerciais, residenciais ou mistos no centro da cidade para manter três, seis, oito prostitutas.

Volta e meia o patrão faz uma vistoria nos locais de distribuição, mas a eficiência do panfleteiro é medida mesmo pelo número de ligações para o telefone do qual é responsável pela divulgação. Um dia inteiro sem contato pode levá-lo a ser chamado na chincha. Por isso, fazem de tudo para deixar os panfletos bem visíveis, nem que para isso precisem arrancar os da concorrência e encobrir os números dos serviços de utilidade pública com a imagem de mulheres nuas. Os panfletos têm fotos eróticas, com números de telefones e o nome de guerra das prostitutas.

As mulheres oferecem programas de meia hora ou uma hora, com preço que varia de R$ 30 a R$ 60. Um dos panfletos anuncia 25 minutos por R$ 25, trazendo ao lado a foto de uma loira curvilínea. De acordo com o ex-panfleteiro ouvido pela reportagem, as imagens de praticamente todos os folhetos são retiradas da internet ou de revistas pornográficas. "Quando o cara chega para o programa, percebe que não é nada daquilo que viu na propaganda", diz. "É tudo ilusão. Na foto parece uma deusa, mas na porta aparece uma baranga". Ainda assim, segundo ele, são poucos os homens que desistem do programa.

Segundo comerciantes da Rua XV, muitos usuários da telefonia pública ficam constrangidos ao se deparar com os anúncios de sexo. Há uma semana, uma dona de casa disse ter presenciado cerca de 50 jovens colocando esse tipo de material em todos os telefones da Rua XV. Ela chegou a reclamar, mas foi intimidada por um homem que parecia ser o coordenador da ação. "Não sei porque tantas câmeras nessa rua se elas não são usadas para combater um crime que acontece a toda hora, pelas mesmas pessoas", questiona.

Síndico faz "limpeza" no Tijucas

Prostitutas estão alugando apartamentos em prédios residenciais, comerciais ou mistos no Centro de Curitiba para receber os clientes, mesmo contra as convenções de condomínio. Muitos síndicos não querem admitir ou têm vergonha de dizer que convivem com esse tipo de atividade. A maioria não sabe como agir. Não é o caso do alfaiate Ferdinando Nardelli, de 72 anos, que desde junho vem fazendo uma "limpeza" no Edifício Tijucas. Até ameaça de morte ele recebeu, mas não desiste da cruzada pela moralização do prédio, um dos mais antigos arranha-céus de Curitiba.

O problema só aparece quando em estado crônico, caso do Tijucas. Clientes de garotas de programa batiam em portas erradas, constrangendo secretárias de escritórios de advocacia e odontologia, abordavam mulheres nos corredores, promoviam algazarras. Certa vez, Nardelli flagrou três jovens negociando drogas no corredor do nono andar. Pôs os três para correr, mesmo diante dos riscos. Segundo ele, alguns condôminos se mudaram por causa do entra-e-sai de prostitutas, clientes e panfleteiros.

Assim que assumiu o condomínio, em junho, Nardelli colocou um advogado para notificar os donos de casas de prostituição para sair do prédio. Das 12 que existiam, só restam duas, que, segundo ele, estão prestes a sair. Depois dos avisos por terceiros, ele ia pessoalmente falar com a pessoa. Um dia recebeu um telefonema estranho, com uma voz masculina ameaçando: "Você vai pagar caro pelo que está fazendo". Nardelli não se deixou intimidar. As casas de prostituição fecharam no Tijucas para reabrirem em outros prédios.

A grande oferta de imóveis para locação no Centro contribuiu para diversificar os negócios do sexo. Espaços de edifícios comerciais estão sendo transformados em quitinetes, onde homens e mulheres têm encontros. Garotas e garotos de programa atendem também em condomínios residenciais, sem o conhecimento dos vizinhos. Esses casos ocorrem com mais freqüência em prédios antigos, com pouca ou nenhuma estrutura de segurança, onde não há serviço de portaria, o que deixa o cliente menos constrangido.

As garotas de programa preferem alugar apartamento no centro porque é mais seguro, além de não precisarem se deslocar para um motel. Algumas moram no próprio local, outras apenas o usam para os programas. Os hábitos de moradores e freqüentadores podem denunciar algum tipo de atividade ilícita. Como não pode restringir o acesso ao prédio, o síndico deve ficar atento e redobrar a atenção à chegada de cada novo morador ou empresa.

Para Justiça, não há ofensa ao pudor público

Só neste ano, a Guarda Municipal prendeu em flagrante 29 pessoas que distribuíam folhetos de sexo nos telefones públicos do Centro de Curitiba. Levados ao 1º Distrito Policial, foram enquadrados no Artigo 234 do Código Penal por distribuir e expor publicamente objeto obsceno, mas liberados após assinar o Termo Circunstanciado, registro usado nos casos de crimes de menor relevância, com pena máxima de até dois anos de prisão ou multa. Os processos seguiram então ao Juizado de Pequenas Causas, onde foram todos arquivados sob alegação de não se tratar de atitude imprópria para a sociedade.

A legislação brasileira não criminaliza a prostituição em si, mas o Código Penal considera crime a exploração ou o incentivo da atividade, na rua ou em lugar fechado, por meio de rufiões ou gigolôs. Quem é preso por manter casa de prostituição pode pegar pena de 2 a 6 anos. Já quem distribui material pornográfico, igual a esse afixado nos orelhões, estaria sujeito a pena de detenção de 6 meses a 2 anos ou multa. Mas não é como interpretam os promotores do Juizado de Pequenas Causas.

Para justificar o arquivamento dos processos decorrentes dos Termos Circunstanciados, alegam não haver relevância capaz de gerar punição à conduta tolerada ou aceita socialmente. Os promotores entendem que os panfletos com escritos, desenhos ou imagens de mulheres com trajes íntimos nos dias de hoje dificilmente ofenderia o sentido de pudor público, pois há inúmeras publicações com igual conteúdo, como filmes e sex shops que expõem seus produtos em vitrines. Poderia haver punição caso houvesse danos a bens públicos.

A moda dos minipanfletos veio de São Paulo há dois anos exatamente para contornar esse tipo de enquadramento legal, segundo o superintendente do 1º DP, Adolfo Rosevics Filho. Antes, os panfleteiros colavam os anúncios nas cabines telefônicas, caracterizando dano ao patrimônio alheio; agora só largam no interior do orelhão. Adolfo se queixa que a polícia não pode sequer autuá-los por danos ao patrimônio público, pois os aparelhos são objetos públicos, mas patrimônio particular, já que pertencem à companhia telefônica.

Há um ano Adolfo investiga casas de prostituição camufladas em prédios na área central. Por meio de panfletos, identificou oito delas e interrogou três dos sete proprietários. Também já identificou três gráficas onde o material é impresso. No ano passado, fechou uma dessas casas nas proximidades da reitoria da Universidade Federal do Paraná. A dona foi autuada em flagrante por favorecimento à prostituição, por manter casa de prostituição e por corrupção de menores, já que havia uma adolescente no lugar.

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