
O jovem Charles Darwin deu, literalmente, graças a Deus quando seu navio começou a se afastar do Brasil. Os meses que passou no país haviam trazido bons momentos principalmente devido à natureza tropical, que ele não se cansava de admirar. O rapaz, porém, não estava disposto nunca mais a voltar a um país onde houvesse escravos. "Espero que chegue o dia em que eles (os negros) garantam seus próprios direitos e esqueçam-se de vingar o que se lhes fez", escreveu em seu diário.
O Brasil ocupa boa parte do Diário do Beagle, livro que registra as impressões da viagem que Darwin empreendeu no início de sua carreira como cientista. Da descida aos trópicos saiu boa parte dos indícios que o levariam, décadas mais tarde, a escrever o revolucionário A Origem das Espécies o livro mais falado deste ano, quando se comemoram os 150 anos da teoria da evolução. Curiosamente, o diário que conta a saga do explorador em nosso país, porém, tem uma única edição no Brasil. E foi publicada três anos atrás, em Curitiba, pela Editora da UFPR.
No Diário do Beagle, fica claro que a impressão de Darwin sobre o Brasil se divide em duas partes completamente distintas. De um lado, a beleza dos vales, das florestas, dos rios, a diversidade das espécies de plantas e de animais tudo fascinava o pesquisador. De outro, o comportamento dos brasileiros impressionava Darwin de maneira bem diferente.
"Os brasileiros, até onde vai minha capacidade de julgamento, possuem somente uma pequena quantia daquelas qualidades que dão dignidade à humanidade", escreveu em 3 de julho de 1832. "Ignorantes, covardes e indolentes ao extremo; hospitaleiros e bem-humorados enquanto isso não lhes causar problemas", completa. O que mais chocou Darwin em sua passagem pelo Brasil foi, sem dúvida, o tratamento dado aos negros. "O senhor Earl viu um pedaço de um membro, que se arrancou com um aparelho de tortura, e que não sem freqüência eles guardam em casa".
O horror à escravidão, segundo quem pesquisou as viagens de europeus ao Brasil do século 19, é uma constante. "A opinião de Darwin sobre os maus-tratos destinados aos escravos no Brasil não é propriamente uma exceção, pois vários outros viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil ao longo do século 19 produziram testemunhos parecidos", afirma a historiadora Eneida Sela, doutora em História Social pela Unicamp e autora de uma pesquisa sobre os viajantes europeus ao Brasil do século 19. "Porém, é seguro afirmar que a maioria desses autores oitocentistas relata justamente o contrário, dando ênfase ao bom tratamento que os senhores destinavam a seus cativos, ainda que criticassem severamente a escravidão enquanto instituição".
Para construir um de seus romances, Contra o Brasil, o escritor Diogo Mainardi pesquisou em bibliotecas européias tudo o que viajantes disseram sobre o país em séculos de história. O personagem central do livro, definido pelo autor como um "anti-Policarpo Quaresma", se especializa em citar os detratores do Brasil. E são muitos. "O tratamento dado aos negros, a falta de higiene e a corrupção são os três pontos que mais causavam indignação aos europeus", diz Mainardi.
Todos os itens estão presentes na obra de Darwin. A corrupção ganha destaque especial. "Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados", afirmou Darwin depois de seu período brasileiro.



