
É difícil não pensar em uma caixa de tesouros quando se fala em piratas. O cinema hollywoodiano tem sua contribuição na construção da lenda. O capitão Jack Sparrow, protagonista da série Piratas do Caribe, é um dos que procura um baú repleto de ouro no caso dele, asteca. O filme, assim como vários outros, acerta e erra. Um dos erros do cinema, segundo especialistas, é dizer que havia apenas um tipo de pirataria: aquela que estava em busca de ouro.
Há, na verdade, um problema de conceitualização: a pirataria teve diferentes significados ao longo dos séculos. "Ela não é uma só durante a história", explica o historiador Leandro Domingues Duran, doutor em arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP). No período greco-romano, por exemplo, ser pirata não era crime.
Acredita-se que os saques a navios começaram no início das navegações. O termo pirataria, entretanto, passou a ser usado apenas no início do século 17. É um conceito construído a partir de um fenômeno social surgido no Caribe, onde ocorre a formação de identidade de grupo (daqueles que se uniam para roubar). É o que até hoje causa fascínio nas pessoas: a aparência de algo revolucionário.
Os piratas seguiam regras diferentes daquelas da sociedade da época, em que as pessoas chegavam a determinados cargos porque nasceram "em berço de ouro." Na pirataria, o capitão era eleito pela meritocracia, ou seja, porque realmente merecia o cargo. Havia também uma recompensa para aquele que teria sofrido algum dano em razão do grupo, como ter perdido parte de uma perna: na divisão dos "lucros", ele ganharia mais que os outros. "Eles prezavam a igualdade, mas não dá para esquecer que causavam muitos danos às pessoas. Engana-se quem acha que eles eram a favor de uma sociedade igualitária e mais justa, porque, na verdade, eles defendiam os interesses pessoais e privados de cada grupo e não da sociedade como um todo", lembra Duran.
O historiador acredita que até hoje os piratas causam fascínio porque a concepção sobre eles está vinculada ao mundo da contravenção. "Se associa a um mundo que é o oposto daquele em que se seguem as regras normais", diz.
O estereótipo físico dos piratas no cinema vem dos defeitos físicos causados pelas brigas e acidentes típicos da vida agressiva que eles levavam. É óbvio que um só pirata não teria perna de pau, olho de vidro, mão em formato de gancho além do célebre papagaio no ombro. Mas pesquisadores dizem que essa imagem é um conjunto de tudo o que já foi narrado e documentado. A situação insalubre a que estavam expostos, permanecendo por meses nos navios, sem nenhuma condição de higiene, era apenas um dos motivos de uma vida curta e cheia de sofrimentos. A mutilação marcava uma atividade que não existe sem violência.
"Para aterrorizar o inimigo no momento do ataque, alguns piratas deixavam a barba crescer e amarravam nos cabelos candeeiros que eram acesos durante a batalha para parecer que estavam pegando fogo. Na escuridão do mar, a imagem parecia a encarnação do demônio", explica o professor de História da Universidade Federal Fluminense, Luciano Figueiredo, um estudioso da obra do escritor Daniel Defoe, autor dos livros Robinson Crusoe e Uma História dos Piratas.
Diversos tipos de pirataria marcaram os séculos 16, 17 e 18. O Brasil também foi alvo dos piratas, assim como todos os países que tinham costa marítima. Os flibusteiros, por exemplo, eram os famosos piratas do Caribe. "Eles queriam criar um mundo igualitário e, para sobreviver e manter a defesa, faziam os saques", conta Figueiredo.
Mas de onde surgiram os piratas? Quem eram e quem são essas pessoas que colocam em risco as próprias vidas para roubar navios e mercadorias? Certamente os momentos em que há uma incidência maior da pirataria são aqueles de pós-guerra. "Eles surgem, em sua maioria, por um déficit de ocupação e miséria. Assim são os piratas. Eles não querem ser famosos. Partem para essa vida porque ficaram desamparados", conta Duran. É como toda ação criminosa, que se alimenta da desigualdade econômica e da necessidade de sobrevivência dos indivíduos em diferentes sociedades.
Os corsários, que são muitas vezes confundidos com os piratas, também eram saqueadores do mar. A diferença é que eles tinham uma autorização, a Carta de Corso, para fazer a pilhagem. Na Idade Moderna (dos séculos 15 a 18), corsários lutaram lado a lado com governos. Na formação dos estados não havia exército e marinha, por isso os reis contratavam pessoas que não eram profissionais, mas que conheciam bem o mar e sabiam fazer uso da violência para combater o inimigo. O acordo era ter uma autorização para fazer os saques. Os corsários pagavam ao rei um porcentual daquilo que haviam roubado. "Se o corsário era capturado, ele estava sujeito a determinadas normas. Ou seja, não era bandido. Diferente dos piratas, que podiam ser imediatamente enforcados caso fossem capturados", afirma Duran. Em alto mar, porém, nem sempre a regra valia: piratas e corsários eram confundidos.
Alguns corsários também viraram piratas no decorrer da história. Isso porque os reis contratavam os corsários para combater em alto mar. No fim da guerra, sem serviço, eles passavam a se virar por conta própria. "Os indivíduos passavam a viver daquela atividade e, de um dia para o outro, ficavam impedidos de exercê-la: são pessoas prontas para cair na pirataria", explica Duran.
Até hoje não há um levantamento confiável sobre quantos piratas atuaram no mundo ou nas proximidades do Brasil, principalmente por causa da confusão entre navios de piratas e de corsários. O que se sabe, entretanto, é que a pirataria é um dos únicos tipos de crime reconhecidos internacionalmente e que assola ainda hoje diversos países.



