
O que é a realidade? Pergunte a um físico quântico e você terá uma resposta assertiva e matematicamente satisfatória. Faça a mesma pergunta a um entusiasta de experiências místicas ou a alguém que entenda as coincidências como sinais cheios de significado e você terá outra, incrivelmente complementar. Isso, claro, se essas duas pessoas forem uma só. "A realidade é uma descrição, e essa descrição é um consenso."
Quem diz é Gabriel Guerrer, 28 anos. Alto, brinco nas duas orelhas, olhos azuis, barba por fazer e potencial para galã, o curitibano chegou perto de descobrir a "origem da vida, do universo e tudo mais". Mas, se na grande lousa de sua casa ainda há fórmulas complexas e expressões como "antimatéria", na estante há livros de Carlos Castañeda, Carl Jung e Joseph Campbell.
Doutor em Física Quântica, Guerrer foi um dos pouquíssimos brasileiros que trabalhou no Grande Colisor de Hádrons (LHC), laboratório de 27 quilômetros de extensão construído a 100 metros de profundidade em Genebra, na Suíça. Nele, cientistas tentaram recriar condições próximas às que produziram o Big Bang, grande explosão que, segundo a ciência, deu origem ao universo.
Eis que, em meio a "fenômenos potencialmente novos e interessantes", ele repensou a sua própria existência em 2008 e fez o que poucos teriam coragem. "Senti que não era aquilo. Estava falando sobre algo que não me emocionava. Não mexia mais comigo", diz o físico, com a calma de quem fala sobre o que comeu no almoço. "Aí voltei."
Ex-aluno do extinto Colégio Curitibano, formado em Física pela Universidade Federal do Paraná e doutor pela mesma instituição, Guerrer buscou nos sinais que a vida lhe deu uma explicação justificável embora nada científica para sua guinada. Sua não aprovação em três possíveis pós-doutorados (recebeu convites de instituições renomadas da Holanda, Espanha e Suíça) seria, por exemplo, uma dica para que escolhesse um caminho mais "livre", longe de fórmulas e teorias. "Esse tipo de sinal viola as leis da natureza. Tinha uma probabilidade imensa de passar em algum deles, e não deu", diz. Lembre-se que quem fala é um doutor em Física.
Arte-educador
Hoje, o curitibano pode ser chamado tanto de rebelde com causa quanto de professor em potencial atividade que agora pretende exercer profissionalmente, como arte-educador. Em sua casa, no Centro de Curitiba, Guerrer dá aulas de "física quântica para curiosos". Ele entende que esse conhecimento específico sobre partículas elementares é uma linguagem, assim como a matemática ou o português. "Uso essas ideias como fonte de analogias para interpretar o que acontece na vida", explica. Também utiliza com frequência o adjetivo "quântico" para pessoas e lugares. Em resumo, uma pessoa quântica é quem aceita a experiência como ela vem e não força nenhum resultado. "Pare de negar o acaso. O não duvidar te deixa mais quântico", ensina.
Para o rapaz, cada momento da vida é um laboratório constante. Mas existe um problema sério. "Ao contrário do que acontece na ciência, você não consegue voltar às mesmas condições para repetir essas experiências. Vivemos vários experimentos o tempo todo. Então, qual teoria usar para explicá-los?" pergunta Guerrer, que de louco não tem nem nada.
Doroteia, o Fusca que virou lenda
Depois de voltar ao Brasil, em 2009, ele trabalhou por um ano no Rio de Janeiro, em uma empresa do mercado financeiro. "Tá vendo aquele apartamento de cobertura ali?", perguntou alguém durante a entrevista de emprego. "Ele pode ser seu se você se dedicar bastante."
Guerrer trabalhava 12 horas por dia em um ambiente agressivo e competitivo. Fã de escalada e interessado pelo medo, ele até aplicou algo de Física no seu novo trabalho. "Usei teorias para pesquisar bons pagadores. Foi a coisa mais criativa que fiz ali." Guerrer não arrematou o apartamento de cobertura, mas juntou um bom dinheiro e, aí sim, deu o passo redentor à sua grande jornada pessoal: comprou um Fusca.
Com a Doroteia esse era o nome do fusquinha branco, ano 74 rodou milhares de quilômetros pelo Brasil. Sozinho. "A Doroteia não tinha som. A única coisa que ouvia era aquele tatatatatatata do motor." A ideia era tirar um ano sabático e viajar, simples assim. "Depois de doze meses preso em uma gaiola, queria fazer as coisas do meu jeito. E aí começaram a acontecer coisas fantásticas. Comecei a entender qual o objetivo da viagem: me conhecer." Foram 11 meses de viagem, mais de 100 cidades visitadas e um episódio que até os físicos duvidariam.
Além de doutor, conhecedor do mercado financeiro, praticante de escalada e exímio violonista, Gabriel Guerrer é lenda em São Bento do Sapucaí, cidadezinha do interior de São Paulo. Foi lá que a Doroteia, sem mais nem menos, ardeu em chamas. "Estava numa subida e o Fusca parou. Alguém atrás gritou fogo, fogo!. O extintor quebrou, as pessoas começaram a jogar terra, e aí correram porque pensaram que ia explodir", recorda.
O fogo arrebentou o cabo do freio de mão e o Fusca se transformou em uma perigosa bola de fogo, que descia rapidamente em direção a carros e curiosos. "Do nada, o volante vira e ela estaciona perfeitamente na calçada. A última piada da Doroteia foi essa", diz, baixando a voz. "Foi muito quântico."
Eis que surge Dorival
Hoje, dizem que cobram ingresso para ver o que restou do Fusca, que virou atração turística da pacata cidade. Como bom homem "quântico", Gabriel procurou compreender o que aquilo significava "era o fim de um relacionamento", diz. A viagem de 20 mil quilômetros continuou com Dorival, um Gol, também branco, ano 98. O curitibano se meteu em rincões do Brasil, encontrou comunidades tribais no Maranhão e ouviu histórias sobre seres estranhos e lendas que atravessam séculos. "Quando o observador está longe, tudo pode acontecer", justifica.



