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Hoje o domingo será longo para o médico ortopedista e traumatologista Marlus Eduardo Gunia Schiavon, 28 anos. Ele vai encarar um plantão de 24 horas no pronto-socorro do Hospital Cajuru, durante o qual fará cerca de 200 atendimentos, além de algumas cirurgias. Engana-se quem pensa que o descanso virá amanhã cedo. Ao sair do hospital, Schiavon tomará um rápido café e iniciará suas consultas particulares, fará uma breve pausa para almoçar e vai encerrar o expediente às 18 horas. Na terça-feira, dará continuidade ao batente normal, que inclui cinco diferentes funções alternadas a cada dia: atendimentos em consultório, no setor de joelho do Hospital Cajuru, na equipe médica do Atlético Paranaense, cirurgias eletivas e plantões.

Rotinas como a de Schiavon podem estar com os dias contados, pelo menos no que ser refere aos longos plantões. Em 16 de fevereiro vai entrar em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 6.172/05, do deputado Marcos Abramo (PP-SP). A proposta quer proibir plantões de mais de 12 horas seguidas entre os médicos e cirurgiões dentistas. O objetivo é evitar que a carga excessiva de trabalho sem descanso apropriado (2 ou 3 horas de um sono mal dormido, quando o ritmo do hospital está mais tranqüilo) exponha os pacientes a riscos.

Debate

O assunto promete render boas discussões. O Conselho Federal de Medicina (CFM) ainda não se posicionou; estuda o projeto e deve se pronunciar em breve. No Paraná, as opiniões estão divididas entre as duas instituições que representam a categoria. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Hélcio Bertolozzi Soares, acredita que a limitação vem em boa hora. "O plantão superior a 12 horas é extremamente cansativo e prejudica o relacionamento entre o médico e o paciente." A observação é compartilhada pelo diretor técnico do Hospital do Trabalhador, Hermann Valentim Guimarães. "Pode trazer conseqüências danosas aos procedimentos médicos, induzindo a erros."

O presidente da Associação Médica do Paraná, José Fernando Macedo, por sua vez, é contra o projeto. "Plantão não mata ninguém e não oferece riscos", afirma. "O médico nunca está sozinho a ponto de chegar à exaustão." Já o diretor do Hospital de Clínicas, Giovanni Loddo, tem reservas em relação ao projeto. "É preciso muito cuidado, pois pode engessar uma administração [hospitalar]", diz ele. "Tem de existir uma válvula de escape porque a área da saúde é diferente das outras. Temo que possa haver ações trabalhistas seqüenciais."

Cansaço

Trabalhar por mais de 12 horas sem descanso adequado causa desgaste físico, mental e aumenta as chances de erro, na opinião da maioria dos profissionais consultados pela reportagem da Gazeta do Povo. Dos oito médicos entrevistados, seis consideram que o plantão prolongado pode gerar situações de risco.

Alguns profissionais foram vítimas dos limites do corpo. É o caso de Eduardo Ferreira Lourenço, 41 anos, especialista em atendimento de emergência do Hospital das Clínicas, em Curitiba. "Capotei o carro quando voltava de um plantão de 36 horas", conta ele, que não sofreu lesões sérias no acidente. Na época, o médico fazia até 120 consultas num dia. Hoje, sua jornada não passa de 12 horas diárias, divididas em quatro empregos. Durante dois anos da vida profissional, Lourenço emendava 36 horas de trabalho quase ininterrupto, intercaladas por 24 horas de descanso. Desistiu disso.

Diminuir o ritmo de trabalho não estava nos planos da médica clínica L.S.S., 34 anos, quando há dois anos foi surpreendida por um diagnóstico de depressão. A profissional tinha cinco empregos e fazia jornadas de até 56 horas de plantão por semana, com pequenos intervalos entre eles. "Já cheguei a trabalhar durante o feriado de carnaval inteiro e depois fazer um plantão de 24 horas. " Hoje a profissional desacelerou: tem dois empregos e faz plantão de 24 horas só uma vez por semana. "Procurei ter mais qualidade de vida."

Lourenço e L.S.S. dizem que o principal dano do cansaço recai sobre o relacionamento com os paciente, não na qualidade do atendimento. "O risco não é de errar, mas fico mal-humorada no finzinho do plantão", afirma a médica. "Eles [os pacientes] devem sair falando que sou grosso, mas não é isso. Depois de tanto trabalho é óbvio que fico cansado", reconhece o médico.

Enquanto a legislação sobre o tema não muda, Schiavon – que já chegou a encarar uma jornada de 24 horas, quatro horas após chegar durante a madrugada de uma viagem com o grupo do Atlético Paranaense – não pretende diminuir seu ritmo. "Nunca tive problemas. Mas acho que depende de cada um. Temos de saber a hora de parar." O Legislativo vai dizer que hora é essa.

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