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 | Foto: Acervo José Carlos Fernandes – Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Acervo José Carlos Fernandes – Arte: Felipe Lima

Senhoras e senhores, sinto lhes informar que o mundo já acabou. Uma pá de vezes. A gente é que fez de conta que não viu e gazeteou o Juízo Final. Cá nas minhas lembranças, a primeira vez que tudo saltou pelos ares foi em 1969, quando o ratinho Topo Gigio se despediu da televisão, amparado pelo Agildo Ribeiro, deixando-nos órfãos para a eternidade.

Dia triste. Um fim de mundo. Até hoje sinto pontada ao ouvir Chove, chuva e Meu limão, meu limoeiro, dois sucessos na voz fanha do doce Topo. Mas melhor mudar o rumo da conversa – minha colega de trabalho Marisa Valério chora em bicas quando lembra do ocorrido. Trauma de infância. Não tem cura.

Bom, digamos que o mundo acabou pela segunda e terceira vez, sucessivamente, quando a Xuxa virou apresentadora infantil, quando a Fafá de Belém começou a cantar música sertaneja, quando a calça vincada saiu de moda e quando uma jovem conhecida chamou a Jane Fonda de "aquela velhinha que trabalhou num filme de Jennifer Lopez".

Pedi para morrer seco. Tive palpitação. Suores em cachoeiras nas axilas. Reagi bravamente alugando o DVD de Amargo Regresso, estrelado por Jane quando "Jennifer ainda era uma pirralha", e por John Voight, seu par, quando ainda estava no juízo perfeito. Moral da história: o mundo acaba, mas algum pedaço sobra se a gente tiver uma boa locadora de vídeos perto de casa.

Essas colocações quase sartreanas sobre o ser o e o nada, o mundo e suas coisas, me foram sopradas pelo jornalista Alberto Villas. Ele é autor do delicioso livro O mundo acabou (2006), uma espécie de almanaque sobre os produtos que marcaram a infância do autor. Já consultei a obra umas tantas vezes para lembrar como andava o mundo antes do fim. Pois era um barato, apesar de o caminhão da carrocinha passar toda quarta-feira.

O livro do Villas nos faz sentir cheiros – cheiro de Aqua Velva, de Toddy, de goma arábica, de mimeógrafo a álcool e de Cashemere Bouquet. E sabores – como o da Crush e o do legítimo arroz de forno, servido religiosamente aos domingos. Claro, nem tudo era lindo como numa série de tevê. Antes de o mundo acabar a gente usava Conga, Kichute e Alpargatas, calçados eficientíssimos na difusão do chulé. Foi problema mais grave que a Guerra Fria. Outra moral da história: a cada vez que o mundo acaba nossas narinas ficam mais metidas, extinguindo marcas de tênis, penicos e agora os pobres fumantes, enviados sem defesa para os fornos crematórios da intolerância.

Ei, não existe mais xampu de ovo?

Dias atrás, gastei saliva em sala de aula para contar o que era o Canal 100. Sem sucesso. Está tudo na internet, dá para rever, mas é uma lenha explicar o que a gente sentia quando os cinejornais do Carlos Niemeyer apareciam na telona do Cine Vitória, antes do filme, ao som de Na cadência do samba, de Luís Bandeira. Pois é, o mundo acaba quando a gente não consegue mais convencer sobre a importância do que ficou para trás. Wittgenstein puro – sobre o que não se pode falar, deve-se calar. S’imbora que o termômetro anda arisco, sei não.

Antes, deixo aqui um breve testamento cheio de saudade, ao som de E o mundo não acabou, de Assis Valente, na voz de Carmen Miranda. Manas, foi bem legal ouvir o vinil do Bee Gees com vocês – os três fazendo de conta que falavam inglês. Mãe, as roupas mais legais que você me deu foram as de brim Coringa e as das marcas Far-West, compradas nos turcos do Novo Mundo. Adorava suas colchas de chenile vermelhas e me sentia bonitinho ao tomar banho com Lux de Luxo. Valeu.

A quem interessar possa, ainda acho que as moças deveriam usar anágua e combinação – por baixo do vestido. E que misses de verdade trajam maiôs Catalina. Confesso que fracassei em alguns propósitos, como o de provar que a expressão "chato de galocha" surgiu aqui na capital do Paraná. Deveríamos ter criado uma praça com esse nome, mas agora é tarde.

Outrossim, frustrei-me ao convencer os barbeiros a voltar a perguntar "meia cabeleira curta ou meia cabeleira comprida?". Era muito educativo. Por fim, não comprei meu Simca Chambord, como jurei ainda guri, mas tenho uma miniatura dada pelo Key Imaguire. Está de bom tamanho. A propósito, os matchbox poderiam ter adiado esse fim de mundo chamado fim do expediente. Lembrem disso no mundo que vem.

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