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Bastidores do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro, em Curitiba, em meados da década de 1940. Flerte com a filosofia e com a ciência, e adesão de médicos homeopatas aos preceitos espíritas teriam impulsionado o kardecismo no Brasil | Federação Espírita do Paraná
Bastidores do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro, em Curitiba, em meados da década de 1940. Flerte com a filosofia e com a ciência, e adesão de médicos homeopatas aos preceitos espíritas teriam impulsionado o kardecismo no Brasil| Foto: Federação Espírita do Paraná

Bom saber

A relação entre o espiritismo e o amparo à saúde interessa aos pesquisadores:

• O sociólogo Reginaldo Prandi, autor do recém-lançado Os mortos e os vivos, investiga, em parte, as relações entre o espiritismo e a saúde. Confundida com charlatanismo, a ação dos médiuns e de médicos, como Bezerra de Menezes, morto em 1900, chegou a ser proibida no primeiro período republicano.

• Para a historiadora Vera Irene Jurkevics, da Faculdade Doutor Leocádio José Correia, a Falec, em Curitiba (única no país a oferecer curso de Teologia Espírita), mesmo com a necessidade de saber francês – para ler o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec – o espiritismo causou impressão no Brasil do século 19. Um dos motes para pesquisar a projeção de uma religião praticada por poucos, segundo ela, também estaria relacionado à saúde. "Havia homeopatas que faziam passes magnéticos. A nossa tendência ao sincretismo se encarregou do resto do prestígio espírita", observa.

O historiador ponta-grossense Flamarion Laba da Costa, 60 anos, conhece como poucos a dor e a delícia de estudar o espiritismo no Paraná. Em 2001, sua tese de doutorado, Demônios e anjos, defendida na UFPR, pronto se tornou referência no assunto. Im­­pressiona o universo da tese – o autor estudou a disseminação dos ensinamentos de Allan Kardec da Proclamação da República até 1965, ano em que terminou o Concílio Va­­ticano II e, com ele, parte da ofensiva católica aos espíritas.

Sobretudo, chama atenção o "enfrentamento" de um problema. O historiador se deparou com a escassez de documentos, à revelia de o estado ter nada menos do que 323 centros filiados à Federação Espírita do Paraná. De duas décadas para cá, assegura, as pesquisas sobre o espiritismo foram beneficiadas. Há mais sensibilidade. Resta aos pesquisadores fazer, com afinco, a chamada "coleta de fungos" em jornais e revistas.

Foi o que ele mesmo fez ao se debruçar sobre os arquivos do jornal O Progresso [hoje Diário dos Campos], de Ponta Gros­­sa, no qual o jornalista Hugo Reis Mendes de Borges registrou, na primeira metade do século 20, as atividades dos espíritas na cidade. A precisão dos registros de Hugo permite suspeitar que fatos não citados por ele – como um suposto apedrejamento de espíritas nos Campos Gerais – não passem de lenda.

"É um campo difícil", reforça a pesquisadora Cassiana Lacerda, estudiosa do simbolismo no Paraná, corrente literária que, por seu esoterismo, sugere alguma aproximação com os primeiros espíritas do estado. Cassiana desconhece a relação. "O espiritismo me parece estar mais ligado a grupos familiares, como os Correia [clã do Barão do Serro Azul]", observa, mas sem deixar de lembrar que os estudos teosóficos chegaram aqui em 1898, trazidos da Bélgica, com João Itiberê da Cunha. Havia abertura ao exotismo religioso em muitas divisas, informação que serve de pista e pasto para pesquisadores.

Saúde

Tal qual Hugo em Ponta Gros­­sa, no Rio de Janeiro o jor­­na­­lista Quintino Bocaiúva é fonte para escavar as "camadas geológicas" do espiritismo. Ele era redator de uma coluna espírita no prestigiado jornal O Paiz. Graças a doidivanas como Quintino – apesar dos achaques que sofreu – o kardecismo não ficou para a história como uma prática das catacumbas.

Flamarion, em coro com outros estudiosos, descarta a possibilidade de que a ausência de fontes sobre os seguidores de Kardec tenha a ver com a perseguição religiosa. Pouco hierárquicos e dados a cismas, por décadas os espíritas teriam descuidado de seus documentos. Mas não se furtaram do debate público. "Os espíritas pioneiros publicavam em revistas e jornais. Defendiam-se dos ataques", observa, citando a figura emblemática de Lins de Vasconcellos, o madeireiro que no século passado injetou dinheiro e fleuma na defesa do espiritismo em Curitiba e Ponta Grossa.

O argumento do historiador se pauta na evidência de que toda nova religião sempre gera fascínio. "O que seria do cristianismo sem o imperador Constantino?", pergunta ao lembrar os espíritas brasileiros do final do século 19. Eles se tornaram vidraças a serem quebradas, principalmente pela Igreja, incomodada com a crença na reencarnação. "A força do espiritismo, contudo, estava na saúde. Os primeiros médicos homeopatas do Rio de Janeiro prescreviam as águas fluidificadas. Atestava-se a cura. Causou impacto." Eis ponto.

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