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A meia dúzia de assentos na sala de espera improvisada da casa de Joanita Good Barausse, em Campo Largo (região metropolitana de Curitiba), costuma não ser suficiente para acomodar a fila por atendimento que a benzedeira atrai. Há 40 anos, Joana, como é conhecida, é procurada para tratar os mais variados tipos de males físicos, psicológicos e até financeiros com o toque das mãos e orações. Resolve, garantem seus freqüentadores e ela própria. "Antes de procurar um médico, venho aqui. E não sou só eu: tenho três filhos e seis netos, todos já foram atendidos pela Joana", diz a dona de casa Nilza Adamante, de 64 anos.

Encontrar uma benzedeira em Campo Largo não é uma tarefa difícil, mas já foi mais fácil. Há cinco anos, a fotógrafa e professora de Antropologia Cultural da Unibrasil, Geslline Braga, visitou 15 delas para uma pesquisa de pós-graduação. Pelo menos cinco morreram desde então ou, por estarem doentes, deixaram de fazer benzimentos. Aos 65 anos, Joana é uma das benzedeiras mais jovens da cidade. "Geralmente são mulheres bem idosas, na faixa dos 80 anos. Conforme elas adoecem, abandonam o atendimento", afirma Geslline.

Aos 86 anos, Geraldina Padilha de França é uma das baixas no grupo de benzedeiras de Campo Largo. Parou de "costurar rendidura" (distenção muscular) há um ano, por causa da saúde debilitada. Guardou como recordação a agulha de costura com que, durante 75 anos, "costurou" (ela não chama de benzimento) uma infinidade de pessoas. Dava pontos em um pequeno pedaço de pano branco, ao mesmo tempo em que entoava palavras rimadas de uma reza que aprendeu aos 10 anos, com a mãe de uma cunhada. "O que eu costuro? Costura rendidura. O que eu costuro? Osso quebrado, carne rasgada e nervo torcido", dizia um trecho da fala. "Ajudei muita gente, mas quando os pontos mostravam que a pessoa estava muito machucada, eu mandava ir ao médico, porque sabia que minha costura não ia adiantar", lembra ela.

"Quando a mulher me ensinou a fazer a costura, disse que eu podia largar aos 70 anos, que minha missão estaria cumprida. Fiz até os 85, porque gostava. Dava satisfação ver as pessoas curadas e ouvir as palavras boas que elas diziam para mim", diz dona Geraldina. Ela bem que tentou passar para frente seus ensinamentos, mas não encontrou interessados em prosseguir o trabalho. "Acham muita amolação, porque você acaba ficando disponível o dia inteiro. Às vezes, apareciam aqui tarde da noite ou chegavam quando eu estava fazendo almoço. Eu parava tudo para costurar e conversar com a pessoa."

A tendência de diminuição no número de benzedeiras não é por falta de público. Joana, por exemplo, diz que, só de crianças, faz uma média de 30 atendimentos por dia. "Para passar o conhecimento adiante, tem de encontrar alguém com o dom da cura – e hoje em dia isso é difícil. Essa missão [da benzedeira] exige sacrifício, penitência, jejum e muita caridade", diz. Católicas fervorosas, em sua grande maioria, as benzedeiras acreditam ser uma espécie de objetos de Deus, com o dom de curar. Por considerar seu trabalho uma missão, elas não cobram pelo atendimento. "Há pessoas que oferecem gratificações. Eu não recuso, porque uso para ajudar pessoas carentes. Volta e meia bate alguém na minha porta passando fome ou frio", conta Joana.

Cidade grande

Se em Campo Largo o número de benzedeiras é cada vez menor, em Curitiba elas estão se tornando uma raridade. A reportagem foi a campo e conseguiu identificar apenas quatro benzedeiras na capital. Diferentemente do município metropolitano, o tema aqui não é tratado com tanta naturalidade. Santinha Maria Sotler Martins, de 65 anos, é a única que fala sem receio do que faz, mas não se considera uma benzedeira. Ela descobriu aos 7 anos que era capaz de fazer uma massagem que ajuda a curar crianças com problemas respiratórios. "Eu ‘fecho’ peito aberto. Eles chegam aqui com tosse, chiado no peito, dormindo mal e depois da massagem e da oração ficam bem melhores", explica. A habilidade traz procura por atendimento de bairros extremos da cidade, além do reconhecimento da vizinhança. "Volta e meia eles voltam com as crianças crescidas para eu conhecer. Deve ter sido um dom que os anjos me deram, porque eu só atendo criança. Aquele ali, era bebezinho quando eu atendi, olha só como está forte", diz, apontando orgulhosa para um menino do vizinho.

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