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Administração pública

Onde falta dar o grito de independência

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Em 7 de setembro de 1822 o Brasil declarou independência de Portugal e passou a traçar a própria história. Mas quase 200 anos depois, ainda precisa avançar muito para se considerar "independente" de verdade. Alguns indicadores sociais brasileiros se assemelham ao de países africanos. Há milhares de crianças fora da escola e muitos jovens têm dificuldade para concluir o ensino médio. Boa parte da população convive com taxas elevadas de homicídios e violência urbana. Afinal, o que é preciso fazer para construir uma nação igualitária, desenvolvida e independente? Para especialistas, é necessário implementar políticas básicas. Países desenvolvidos fizeram altos investimentos em saúde, educação, promoção de direitos e segurança. E, somente por isso, conseguiram garantir qualidade de vida à população e crescimento econômico consistente.

Dobrar os gastos em educação

O Brasil obteve ganhos importantes na educação nos últimos 20 anos, mas tem tido dificuldade para melhorar a qualidade dos serviços ofertados. Especialistas consideram que um bom ensino é essencial para garantir o crescimento a longo prazo, já que a falta de mão de obra qualificada é um dos principais entraves para a independência da economia brasileira. Hoje, estados, municípios e União investem cerca de R$ 100 bilhões no setor, mas seria necessário, no mínimo, dobrar este valor. Boa parte do que a União arrecada é destinada ao ensino superior, deixando a base do ensino sob a responsabilidade de quem menos tem orçamento.

Resultados de exames internacionais que avaliam a educação confirmam o Brasil sempre entre os últimos colocados. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostra que os estudantes brasileiros obtiveram em 2006 a 53.ª posição em matemática entre 57 países. Na leitura, a situação é a mesma: 48.ª entre 56. A meta do Ministério da Educação é que os meninos e meninas apresentem nota mínima igual a seis no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) até 2021, índice considerado baixo para países como a Finlândia. Aqui, muitas escolas particulares não atingem o Ideb de "primeiro mundo".

Para resolver a questão, o país precisa não só gastar mais como investir melhor. Na última semana, diversas entidades da sociedade civil lançaram uma carta-compromisso aos candidatos à presidência. A meta é que o país invista 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2022. César Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação e um dos articuladores da criação da carta, afirma que é preciso acabar com o atraso histórico. "A educação é central e exige providências urgentes. O país não conseguirá sustentar o desenvolvimento se não tiver a decisão política de mudar", explica. Segundo ele, hoje os brasileiros investem metade do que gastam Chile e México. "Quan­do educação é um fracasso, quem é responsabilizado por isso? E a responsabilidade dos gestores? Preci­samos com urgência criar uma lei de responsabilidade educacional."

Ser um país mais tolerante

O país avançou com a criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que colocou em prática uma série de ações e políticas públicas. Os brasileiros se tornaram "respeitados" no mundo por conseguirem reduzir a pobreza, diminuir a fome e colocar quase 20 milhões de pessoas na classe média. Ano passado, o direito à alimentação foi incluído no capítulo de direitos sociais da Constituição.

Em 2008 foi divulgado o primeiro censo nacional sobre a população de rua, até então esquecida nas estatísticas sociais. Também foi criado o Sistema Único de Assistência Social, que levou a municípios pobres do país estruturas como os Centros de Referência de Assistência Social (Creas).

Marcos Fowler, promotor do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais, afirma que cumprir os direitos sociais que estão na Constituição Federal – como o direito à saúde, moradia e assistência – é a lição de casa do Brasil nos próximos anos. "Temos uma história curta no país. Ainda estamos construindo políticas públicas", explica. "Mas vejo um caminho positivo para os próximos anos. É preciso levar em conta de onde saímos e onde estamos mais do que onde desejaríamos estar."

Por outro lado, demandas históricas ainda não entraram na pauta dos governos. O Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em julho deste ano, deixou de fora uma série de demandas históricas do movimento negro. Os homossexuais também reclamam de demora na aprovação de leis que beneficiem a união entre pessoas do mesmo sexo e criminalizem a homofobia.

Aplicar mais recursos em saúde pública

O maior desafio na saúde é conseguir implementar o Sistema Único de Saúde de forma mais eficaz. No papel, o SUS é um dos melhores do mundo, porque oferece atendimento gratuito a qualquer cidadão, algo que os Estados Unidos, por exemplo, não têm. Mas os usuários reclamam da espera por consultas e exames. Na região metropolitana de Curitiba, a fila por um ortopedista pode demorar aproximadamente nove meses. Nos planos de saúde a situação também não é diferente. O tempo mé­­dio de espera por um profissional desta área pode chegar a 46 dias na capital.

O problema é que o SUS deveria funcionar bem nos municípios, nos atendimentos de baixa e média complexidade. Em alguns municípios pobres, o cidadão precisa viajar horas para solucionar um problema de saúde que poderia facilmente ser resolvido em uma unidade de saúde bem equipada. Atual­mente 70% da população depende exclusivamente do SUS e quase 100% dos procedimentos complexos, como cirurgias do coração, ocorrem pelo sistema.

Solucionar os problemas do SUS envolve recurso. Para isso, o médico e professor da Universidade Positivo Moacir Ramos Pires afirma ser preciso regulamentar o financiamento do setor. "Ainda faltam transparência e fiscalização", diz. Na opinião dele, a atenção primária está atendida com o programa Saúde da Família, o que falta é o atendimento secundário, com especialistas. Outros pontos são a remuneração defasada aos hospitais e a dependência de materiais importados.

Proporcionar segurança à população

Na última semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que a taxa de homicídios no Brasil cresceu 32% de 1992 a 2007. Nesses 15 anos, o índice de mortes para cada 100 mil habitantes passou de 19,2 para 25,4. A notícia é péssima para o país, que sediará nos próximos seis anos uma Copa do Mundo e uma Olimpíada. Reverter a crescente violência é talvez a maior demanda atualmente.

Para o sociólogo e professor Lindomar Bonetti, da Pon­tifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), além da melhoria do efetivo policial e do sistema punitivo, é preciso investir em prevenção. "Isso ainda é frágil. É necessário resolver as desigualdades sociais e a precariedade que a população da periferia urbana enfrenta", explica. Bonetti afirma que o traficante se aproveita da fragilidade das instituições e da pobreza para agir. "A sobrevivência vira uma aventura. Não há diferença entre matar ou morrer. Há diferenças mesmo entre os bairros de uma mesma cidade. É uma África no meio de uma Europa."

Outra situação que deixa o Brasil malvisto no cenário internacional é o não cumprimento de recomendações das Nações Unidas. Em 2008, a ONU elaborou um relatório sobre execuções sumárias e orientou que o governo tivesse tolerância zero com essas práticas. Dos 33 itens, 22 foram ignorados. Um deles era acabar com a Justiça Militar e permitir que policiais militares que cometam crimes possam ser julgados pela Justiça comum. Outra ação grave é classificar os homicídios cometidos pelos PMs como "atos de resistência". Para a ONU, isso é dar carta branca aos policiais.

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