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| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O Paraná terminou 2015 observando um avanço considerável dos crimes raciais. No ano passado, foram concluídos 237 inquéritos policiais referentes a investigações de racismo ou de injúria racial no estado: aumento de 474% em dois anos. Só em Curitiba, foram 49 casos investigados formalmente. O aumento, no entanto, não significa que esses delitos estejam ocorrendo com maior frequência, mas sim que os casos vinham sendo registrados de forma errônea.

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Até 2014, a maioria das ocorrências era registrada como injúria comum: eram remetidos a juizados especiais, onde acabam arquivados ou com punições mínimas. A partir de diálogos com o Ministério Público (MP-PR), a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) emitiu notas técnicas, orientando as forças policiais como proceder diante de casos de racismo ou injúria racial. As ocorrências passaram, então, a ser registradas de forma fiel e os casos, investigados.

Protagonismo precisa ser ressaltado, apontam especialistas

“Nós tínhamos um histórico falseado que, além de esconder a realidade, implicava em impunidade. A todos os crimes dessa especialização cabe prisão em flagrante”, disse a promotora Mariana Bazzo, coordenadora do Núcleo de Promoção de Igualdade Étnico-Racial do MP-PR. “Isso era reflexo de um racismo institucional, que não vê como prioridade cumprir leis que tratam da população negra”, acrescentou.

Disseminação

Quem acompanha ou investiga os casos garante: o racismo não está restrito a uma região ou a um estrato social. Ainda está disseminado. No ano passado, por exemplo, o vereador Mestre Pop (PSC) disse ter sido alvo de um ato racista, dentro da Câmara de Curitiba, e o caso segue sob investigação. Outra vítima é Elza*, de 36 anos, que viveu “um inferno” quando trabalhou em um hospital particular no Batel, bairro nobre de Curitiba. Ela já se sentia perseguida no trabalho, mas a situação chegou a um nível insustentável no dia em que uma de suas gestoras começou a caminhar atrás dela, como se fosse um macaco.

“Eu me senti um lixo. Tinha até vergonha de olhar para os meus filhos”, contou.

Dados da Sesp mostram que o racismo não respeita nem as crianças: até menores de 12 anos estão entre as vítimas. Entre os indiciados, o perfil também é amplo. Figuram desde adolescentes a pessoas com mais de 60 anos.

Em pleno avançar do século 21, quem lida com o tema não estranha que os casos insistam em se repetir. “O branco ainda não está habituado a ver o sucesso de um negro. Ainda vê com perplexidade quando um negro veste um paletó ou um jaleco de médico”, disse o advogado Mesael Caetano dos Santos, que até a última semana era presidente da comissão de igualdade racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

* o nome foi trocado para preservar a vítima

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Protagonismo de negros precisa ser ressaltado, apontam especialistas

Quem integra a rede de apoio às vítimas ou quem já foi alvo de atos racistas não tem dúvida: a minimização dos casos passa, necessariamente, pela educação. Neste sentido, os especialistas consideram fundamental a aplicação da lei federal 10.639 – que torna obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas.

“A escola precisa ressaltar o protagonismo que os negros tiveram na História, nas artes... enfim, em todas as áreas. O currículo escolar precisa mostrar a diversidade racial que compõe o Brasil”, apontou o advogado Mesael Caetano dos Santos. “Isso propicia a diminuição do preconceito na cultura escolar e ajuda a pessoa entender, desde criança, que o racismo não tem fundamentos racionais”, avaliou a promotora Mariana Bazzo.

Para além disso, a promotora defende a criação de uma delegacia especializada em atender crimes contra populações vulneráveis – como negros, indígenas, moradores de rua e a comunidade LGBT. Hoje, os crimes conta estes públicos são registrados e investigados por delegacias comuns, onde se repetem casos em que vítimas são desestimuladas a denunciar o que sofreram.

“A funcionária da delegacia que me atendeu estava totalmente desencontrada e me desencorajou a fazer o BO [boletim de ocorrência]. Só fez o registro, porque eu estava bem orientada pelo MP e eu disse que o que eu tinha sofrido era injúria racial”, contou Marta*.

Santos avalia que a conjuntura vem melhorando vagarosamente ao longo dos anos, mas considera que seja preciso avançar mais. Para ele, algumas medidas afirmativas têm surtido efeito. Deveriam ser ampliadas, sempre com a valorização da educação. “Ainda hoje, no cinema e na tevê, o negro exerce apenas papeis secundários. Apesar de 60% dos brasileiros de autodeclararem negros ou pardos, nunca tivemos uma Miss Brasil negra. As coisas estão melhoramos. Mas quando olhamos, notamos que ainda tem muito por fazer”, disse o advogado.

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