
Certamente no Brasil, a história mais conhecida sobre a loucura envolve Maria I, a rainha de Portugal (1777). Religiosa ao extremo, depois que perdeu o marido e um dos filhos (José), ela passou a odiar crucifixos e a ter pavor de lugares sagrados. Pensava que o diabo a perseguia. Começou a ter ataques em lugares públicos e precisou deixar o trono para o filho Dom João VI, por causa da insanidade mental. Se hoje fosse diagnosticada, talvez os médicos diriam que ela sofria de porfiria. A doença, que se desenvolve a partir da deficiência de uma certa enzima, faz com que o doente tenha alucinações. Maria, nesse caso, não foi a única.
"Jorge III, da Inglaterra (1788), andava de camisola pelos corredores do palácio, gritava e dizia ver fantasmas", diz a professora e diretora do curso de História da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Maria Cecília Barreto Amorin Pilla. Ele também teve o perfil da porfiria: em um dos surtos psicóticos, Jorge III chegou a ficar 72 horas sem dormir e falou por aproximadamente 60 horas sem parar. Durante as alucinações, pensou que um travesseiro era o príncipe bebê. Maria Cecília lembra que o rei da Inglaterra teve um tratamento de choque com o médico Francis Willis, mas sem sucesso. Mais tarde, Willis também cuidou de Maria I: o custo do tratamento que não teve resultado foi cerca de R$ 4 milhões.
No livro A Loucura dos Reis, o historiador inglês Vivian Green conta que o médico Willis usou camisa de força e uma cadeira especial para a contenção dos ataques de Jorge III, a qual ele chamava de "cadeira da coroação". O médico ficou conhecido como um homem temível e capaz, porque conseguia manter os pacientes loucos sob controle.
Até mesmo métodos de exorcismo foram usados para tentar curar reis e rainhas com problemas mentais. O professor de História da Universidade Tuiuti do Paraná Geraldo Pieroni explica que a loucura, em certa época, foi atribuída ao campo da demologia, ou seja, que era coisa do próprio capeta. "Um livro de 1484 dissertava sobre as formas como o demônio agia e como era capaz de possuir os homens na sua essência corpórea. Por isso, houve tratamentos mais perversos como bater na cabeça do paciente, fazer sangrias e dar choques térmicos", afirma.
Estratégia
A loucura dos imperadores foi usada, de certa forma, para se fazer política. Tanto Maria I como Jorge III viveram em uma época histórica conturbada e a insanidade mental de ambos só serviu para sujar a imagem da monarquia diante da população. "No caso de Portugal, contribuiu para que as colônias se tornassem, mais rapidamente, livres. A Inglaterra também estava perdendo as colônias com a independência dos Estados Unidos", conta Maria Cecília.
Se for necessário eleger qual dos impérios teve mais reis loucos, o Romano seria um grande candidato a campeão. Pelos menos três nomes podem ser citados com certeza: Marco Aurélio Cômodo (ano 161), Nero (ano 54) e Calígula (ano 37). Os dois primeiros sofriam de mania de grandeza e tinham a ideia de ser a própria reencarnação de Deus. Cômodo chegou a afirmar que era Hércules renascido e obrigou o senado, conforme escreve Green, a fazer sacrifícios a seu espírito divino. Com a mania de ser superior, ele mostrou os poderes do Hércules reencarnado flechando animais: para ele, era divertido ver os bichos correndo já sem cabeça.
Calígula era um tipo esquizofrênico se for pensar na classificação atual. Sonhava que um certo espírito do oceano conversava com ele. Como sofria de insônia dormia cerca de três horas as noites serviam para que ele conversasse com essas "aparições". Ele chegou ao poder querendo se vingar dos que haviam matado sua família, conforme lembra a professora Ana Teresa Marques Gonçalves, da Universidade Federal de Goiás. "Assim, ele é apresentado como alguém irascível, que havia se apaixonado pela própria irmã, que mandava matar como forma de divertimento e não de justiça", conta.
Nero mandou assassinar a própria mãe porque ele acreditava que ela o influenciava muito. Chegou a matar também, a pontapés, uma de suas mulheres, Popéia. Depois casou com um escravo após a castração do mesmo porque ele lembrava muito a aparência de Popéia. Nero ficou conhecido por causa de um incêndio que devastou Roma: segundo crenças populares, o desastre teria sido provocado pelo próprio imperador. A professora Ana Teresa lembra, porém, que essa questão tem sido revista. "Sabe-se que ele mandou colocar fogo em uma região pantanosa de Roma com o intuito de reconstruí-la, mas o vento espalhou o fogo e a população achou que fosse um castigo das divindades por existirem pessoas que não as cultuavam. Nero não perseguiu os cristãos e também não fez nada para evitar que a culpa do incêndio, então, recaísse sobre ele."
Rússia
Outro exemplo de insanidade mental envolve o czar russo Ivan (1530), conhecido como o terrível. "Ele perdeu os pais e, dizem, quando criança sofreu maus-tratos dos tutores. Parece que isso influenciou sua personalidade, porque ele cresceu com o prazer de maltratar as pessoas. Em uma cidade da Rússia ordenou uma grande chacina contra os habitantes. Também gostava de jogar bichos do último andar do palácio só para vê-los morrer", conta Pieroni, da Tuiuti.
Apesar de a população saber que a loucura acometia alguns imperadores, pouco foi feito por parte do povo para afastá-los do poder. Pieroni explica que era considerada crime qualquer forma de lesar ou prejudicar a majestade e que, além disso, até a Revolução Francesa a autoridade do rei era incontestável porque se acreditava que ele governava em nome de Deus.
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Serviço
O livro A Loucura dos Reis, de Vivian Green, é editado pela Ediouro, tem 463 páginas e o preço sugerido de R$ 53,90.



