
Durante quase 60 anos, Auschwitz contou sua própria história, moldada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Hoje o lugar se revela, sem enfeites e em grande parte sem explicações, em vitrines de cabelos, sapatos e outros objetos das vítimas. Os visitantes se tornam testemunhas dessa exibição: passam pelo notório portão de entrada e chegam até os antigos quartéis de tijolo do campo militar polonês tomado pelos nazistas e convertido em prisões e câmaras de morte.
Agora, os encarregados de transmitir o legado do campo insistem que Auschwitz precisa de uma atualização. Sua história precisa ser recontada, de uma forma diferente, para um momento diferente. Em parte, a mudança está relacionada à simples passagem do tempo: a renovação de uma exibição que está envelhecendo. Em parte, trata-se também das pressões do turismo, além da mudança de gerações. Autoridades locais sustentam que o lugar mais visitado e o maior cemitério de judeus e não judeus da Polônia precisa de uma explicação melhor sobre si mesmo.
Uma nova exibição proposta para o Museu Auschwitz-Birkenau, ocupando alguns dos blocos, manterá os montes de cabelo e outros objetos, que hoje se tornaram ícones, tão associados a Auschwitz quanto os crematórios e as linhas de trem. Mas a exibição será iniciada com uma seção explicativa sobre o funcionamento do campo como uma instituição burocrática alemã nazista, um tema ausente da atual exibição, elaborada por sobreviventes na década de 1950.
Na época, eles queriam apagar da memória seus tormentos, da mesma forma como os nazistas queriam se livrar deles. Assim, na exibição os sobreviventes falaram o mínimo possível sobre os alemães que tinham concebido e administrado o campo. Eles focaram no aspecto de vitimização em massa, mas não destacaram histórias individuais ou testemunhos hoje comuns em memoriais, como forma de traduzir um número incrível de mortos em pessoas reais, na tentativa de trazer aos visitantes histórias individuais e personagens com os quais eles podem se identificar. As pilhas de objetos, incluindo próteses e malas, também enfatizavam a grande dimensão das mortes em uma época em que o mundo ainda não compreendia (e grande parte ainda se recusava a admitir) o que realmente aconteceu ali.
"As pessoas que visitaram o local depois da guerra já sabiam o que era a guerra, em primeira mão. Elas viveram aquele momento. Então, a história de uma morte só não necessariamente as comovia, porque elas tinham visto tanta gente morrer em suas famílias, nas ruas. Mas a escala das mortes em Auschwitz era chocante", diz Marek Zajac, 31 anos, editor de uma revista polonesa que trabalha como secretário para o Conselho Internacional de Auschwitz.
Extermínio
A nova exibição pretende descrever o processo de extermínio, guiando os visitantes passo a passo pelo que as vítimas sofreram terminando com uma seção sobre a vida no campo, ou seja, "a desumanização diária e as tentativas de manter a humanidade", como disse Piotr Cywinski, 39 anos, anos diretor do Museu Auschwitz-Birkenau.
"Se tivermos sucesso, mostraremos pela primeira vez o grande leque de escolhas humanas que as pessoas enfrentaram em Auschwitz", diz Cywinski. "Nosso papel é mostrar os atos humanos e as decisões que ocorreram em situações extremas aqui a diversidade de pensamento e raciocínio por trás dessas decisões, e suas consequências. Assim, poderemos fazer a pergunta: uma mãe deve entregar um filho a uma avó e ir sozinha, ou levar o filho consigo? Essa era uma escolha real, sem solução, mas em Auschwitz era preciso fazer escolhas."
Mudança de gerações
A morte dos sobreviventes também significa que Auschwitz enfrenta um momento de mudança histórica. "Os adolescentes de hoje têm avós nascidos depois da guerra", observa Cywinski. "Isso é importante. Seus avós são da sua era, mas seus bisavós são história". Para o diretor do museu, a exibição em Auschwitz já não cumpre seu papel. "De 8 a 10 milhões de pessoas vão a exibições desse tipo ao redor do mundo hoje. Elas choram, se perguntam por que as pessoas não reagiram mais na época, por que houve tão poucos justiceiros. Depois vão para casa, veem um genocídio na televisão e não movem um dedo sequer. Elas não se perguntam por que não são justiceiras."
Cywinski avalia que o sistema funcionou até a década de 1990, fornecendo fatos e informações. "Mas há outro nível de educação, o nível de conscientização sobre o significado desses fatos. Não basta chorar. A empatia é nobre, mas não é suficiente", afirma.
É nesse ponto que muitas autoridades insistem. Elas dizem que Auschwitz deve encontrar formas de envolver os mais jovens (cerca de 850 mil alunos visitaram o lugar no ano passado), para que eles saiam sentindo o que o diretor chamou de "responsabilidade para com o presente".
Como isso pode ser alcançado se é que pode ainda não é revelado nas informações históricas transmitidas pela exibição e pelos guias. A própria ideia de que as pessoas consideram Auschwitz cada vez mais como história antiga, de que o lugar, com suas ruínas assombradas, pode já não falar por si só, mas precisa se tornar relevante para um novo século tudo isso reflete uma mudança mais ampla na educação e nos estudos sobre o Holocausto, além do peso sentido pelas autoridades de Auschwitz. "Auschwitz é um pilar da Europa pós-guerra e essencial para entender o presente", analisa Cywinski.
Local de esterilização será exposto
Um quartel usado para experimentos de esterilização, um dos poucos locais praticamente intocados desde a Segunda Guerra Mundial, poderá ser reaberto. Um novo centro de visitantes, substituindo o atual, bastante apertado, deverá ser construído para abrigar o grande número de visitantes. Haverá poucas engenhocas, diz Piotr Cywinski, diretor do Museu Auschwitz-Birkenau. "Poucas ou nenhuma tela touch-screen nas galerias principais, o que seria impraticável para grandes grupos. Nada deve ofuscar a evidência do local em si", afirma. "Quanto mais usarmos efeitos especiais, mais desviaremos a atenção da autenticidade do lugar."
Todos ou quase todos os visitantes serão acompanhados por guias, que responderão a perguntas e controlarão o movimento dos grupos.
Uma explosão do turismo de massa, "turismo do sofrimento" e programas educacionais na Europa e em outros lugares, que enviam estudantes para fora, fez triplicar o número de visitantes a Auschwitz na última década. Cerca de 450 mil pessoas visitaram o local no ano 2000. No ano passado, o número foi 1,3 milhão de pessoas.
O aumento mais óbvio durante os meses de calor nas longas filas e ondas de visitantes entrando e saído dos estreitos quartéis, entrando em ônibus para ir a Auschwitz II, ou Birkenau, o amplo campo de extermínio que os nazistas construíram a alguns quilômetros dali limitou uma exposição de antiguidades concebida quando não havia um grande fluxo de pessoas. Hoje, agências de viagens da Cracóvia vendem passeios de um dia combinando Auschwitz à pitoresca mina de sal Wieliczka, com suas capelas, esculturas e candelabros esculpidos em rochas de sal.
"Temos de levar em consideração que cada vez mais pessoas apenas passam por aqui", diz Zajac. "Podemos não endossar esse tipo de turismo, mas não cobramos entrada. Isso é um cemitério. Não se cobra entrada para um cemitério."





