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Religião

Os três endereços do bom Jesus

Paróquias com o mesmo nome vivem desafios semelhantes: falar a fiéis católicos que moram em zonas altamente urbanizadas da capital

Padre Hílton Soares, do Bom Jesus do Portão: projeto de uma miniparóquia em cada prédio | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Padre Hílton Soares, do Bom Jesus do Portão: projeto de uma miniparóquia em cada prédio (Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)
Frei João Batista Zanini, do Bom Jesus do Centro: dois mil pães por dia e miséria na porta do templo |

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Frei João Batista Zanini, do Bom Jesus do Centro: dois mil pães por dia e miséria na porta do templo

Padre Arlindo Vieira, do Bom Jesus do Cabral: desafio é levar povo da zona nobre para a periferia |

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Padre Arlindo Vieira, do Bom Jesus do Cabral: desafio é levar povo da zona nobre para a periferia

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Cabral para pobres - Uma vez por mês, a Paróquia do Senhor Bom Jesus do Cabral doa cestas básicas para idosos carentes e suas famílias. A última terça-feira, 30 de março, foi um desses dias. E o sistema de entregas é acompanhado de perto por Áurea Bastos Aresta, de 82 anos, coordenadora do grupo de ação social |

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Cabral para pobres - Uma vez por mês, a Paróquia do Senhor Bom Jesus do Cabral doa cestas básicas para idosos carentes e suas famílias. A última terça-feira, 30 de março, foi um desses dias. E o sistema de entregas é acompanhado de perto por Áurea Bastos Aresta, de 82 anos, coordenadora do grupo de ação social

Toda terça-feira - Era finzinho da tarde de terça-feira, dia 30 de março, e Antônia Fontana ainda estava no salão paroquial. De pé desde as 6h30 para receber o leite e os pães, ela acompanhava as últimas vendas do bazar da Igreja Bom Jesus do Centro.

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Toda terça-feira - Era finzinho da tarde de terça-feira, dia 30 de março, e Antônia Fontana ainda estava no salão paroquial. De pé desde as 6h30 para receber o leite e os pães, ela acompanhava as últimas vendas do bazar da Igreja Bom Jesus do Centro.

Em Curitiba, alguém que diga pertencer à Paróquia Bom Jesus terá, por força da geografia, de acrescentar a que Bom Jesus está se referindo – se o do Cabral, do Centro ou do Portão. Nada menos do que três comunidades da capital paranaense elegeram para si o mesmo padroeiro.

Poderia não passar de mera curiosidade. Como explica o arcebispo emérito de Curitiba, dom Pedro Fedalto, 84 anos, a imagem de Jesus coroado "rei dos judeus", o Bom Jesus, é uma devoção do barroco português que se alastrou pelo Brasil, ganhando dezenas de denominações. O título mais conhecido é o do popularíssimo Bom Jesus do Iguape. No caso curitibano, mais do que piedade ao cubo, a coincidência virou um estudo de caso: os três centros religiosos homônimos têm tanta influência que se pode afirmar que a cidade, nessas áreas, pode melhorar ou piorar a depender da performance dos presbíteros que ali estão.

Na capital do Paraná, os três Bom Jesus se consolidaram nos tempos áureos da erva-mate, em 1901 (Centro), 1914 (Cabral) e 1916 (Portão). Com o tempo, suas capelinhas de madeira cederam lugar a ricos templos neogóticos, inspirados na Catedral de Nossa Senhora da Luz. Os bairros de seu entorno, por extensão, se tornaram marcos do desenvolvimento municipal.

Não deu outra. Hoje, o Senhor Bom Jesus, qual for, está em áreas altamente verticalizadas, sujeito a toda sorte de desatinos urbanos – da pobreza e violência ao trânsito infernal. Desenvolver pastorais em zonas com essas características é uma tarefa que ultrapassa a boa vontade: faltam exemplos de como fazê-la, o que deixa religiosos em polvorosa.

Pastores e padres envolvidos com a dita "pastoral urbana" dizem que os moradores dos prédios, por terem menos relações de vizinhança, melhor poder aquisitivo e mais escolaridade, tendem a ser pouco sensíveis à rotina paroquiana, reduzida à missa de domingo, quando muito.

Por essas e outras, a barreira do concreto e das ruas faz com que muitos ministros prefiram atuar nas periferias, zonas favelizadas e cidades pequenas a ter de enfrentar o pandemônio das paróquias centrais. Por elas, transitam de fiéis intelectualizados e exigentes a miseráveis em busca da assistência que o poder público não dá conta de atender.

Não à toa, os três párocos "do Bom Jesus" consultados pela reportagem – por acaso, todos na função há menos de quatro meses – disseram sentir falta dos antigos postos, bem mais gratificantes do que os atuais.

Padre Arlindo Vieira, 54 anos, da congregação passionista, é uma referência brasileira em pastoral carcerária – atividade que até pouco tempo praticava em Osasco, São Paulo. Hoje, tem a missão de desencarcerar dos condomínios de luxo nada menos do que 12 mil paroquianos do bairro Cabral.

Frei João Batista Zanini, 45, vigário do Bom Jesus do Centro, vem de um longo périplo pelas cidades do Oeste catarinense – prósperas e ainda na escala humana. O município de Concórdia, onde Zanini atuou até pouco, tem 70 mil habitantes. De acordo com estudo da Urbs sobre usuários de transporte coletivo em Curitiba, apenas pela Praça Rui Barbosa – onde o frade exerce seu ministério – passam 110 mil pessoas/dia, o que inclui uma horda de empobrecidos e dependentes químicos que só a muito custo se rendem às abordagens religiosas tradicionais.

O padre Hílton Soares, 63 anos, do Bom Jesus do Portão, ainda sente ecos das cidades do interior no antigo bairro operário de Curitiba em que agora trabalha. "Percebi de cara que em vez de ‘te’ o povo fala ‘tchi’. Aqui é o reduto dos novos curitibanos", comenta.

De fato. Entre 2000 e 2007, o Portão cresceu 2,88% ao ano, sendo o décimo bairro em expansão na capital, atrás da vizinha Água Verde. Só pela canaleta do Ex­­presso, no sentido Centro, circulam 250 mil pessoas por dia. Tinha tudo para virar um lugar de passagem e sem identidade. O que não aconteceu.

Explicar por quê pode ajudar os pastoralistas. Há pistas. A igreja, construída entre 1916 e 1928, é um marco da região. A seu lado, na década de 60, surgiu uma escola paroquial, depois transformada num dos colégios particulares mais baratos da cidade. Os moradores estudaram ali, criaram vínculos, o que explica, no raciocínio do padre Hílton, a comunidade ter sobrevivido à fúrias de vias rápidas e de tantos prédios. O Bom Jesus não é uma paróquia – é o próprio Portão.

A Bom Jesus do Centro, idem, também identificou seu lugar no imaginário local: o de santuário moderno. Ao mesmo tempo que distribui nada menos do que 16 mil pães por semana, a paróquia é uma Babel de pastorais. Por ali transitam a Pia União de Santo Antônio, criada em 1925, e o Neuróticos Anônimos. Aos domingos são sete missas. Lotadas. Pela Sala da Misericórdia – confessionários lights, convidativos à conversa e ao aconselhamento, nunca passam menos de 30 penitentes por dia, ocupando os dez padres da casa em tempo integral.

O excesso de atividades, aliás, é uma marca do trio Bom Jesus. No Cabral, apenas dois padres atendem as levas vindas da região metropolitana. Faça as contas: pela Linha Norte-Sul passam 150 mil pessoas/dia. Muitas se benzem ao ver o templo. Não poucos descem em busca de ajuda do magnífico Centro Social da comunidade, amparo de 200 famílias assistidas.

No grande barracão, o que se vê são mulheres de cabeças brancas, correndo para atender os pobres. "A paróquia envelheceu", diz padre Arlindo. Sua estratégia para renová-la é surpreendente: envolver a turma do Cabral nas comunidades passionistas de Colombo, amenizando um dos maiores dilemas urbanos: o insulamento.

Aí é que são elas. "Os síndicos são os primeiros a inibir atividades religiosas nos condomínios", comenta padre Arlindo. No Portão, antes que o mesmo aconteça, ganha fôlego um projeto de micromunidades nos edifícios. Funciona à maneira das antigas capelas rurais, administradas por leigos. "A paróquia está perto, mas a depender do ritmo de vida dos paroquianos, pode estar longe. A saída é levar a igreja até os edifícios. Está dando certo", comemora padre Hílton.

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