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Padre Patrick McGillicuddy procura

Religioso irlandês tira jovens das ruas e os leva à faculdade. Agora precisa encontrar quem o acompanhe nesse projeto único

Padre Patrick na cozinha da Comunidade Beato Sarnelli, preparando chá: “Desculpe, sou irlandês.” | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Padre Patrick na cozinha da Comunidade Beato Sarnelli, preparando chá: “Desculpe, sou irlandês.” (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

Entre as anedotas que correm nos meios religiosos, uma diz que nem Deus sabe quantas freiras existem no mundo. Faz sentido: difícil, por exemplo, calcular quantas irmãs moram na capital. Outra piadinha vinda dos claustros pergunta se alguém por acaso sabe quantas instituições são dedicadas a São Francisco, com folga o mais disputado dos padroeiros. Impossível. Pode-se acrescentar a essa prosa leve, própria dos homens e mulheres devotados à vida cristã, se alguém sabe qual é a menor congregação do mundo.

A resposta é "Irmãos de Misericórdia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro". Foi fundada há oito anos, em Campina Grande do Sul, na região metropolitana de Curitiba, e tem apenas um membro, o irmão Sérgio Silva. O fundador da obra é o redentorista irlandês Patrick McGillicuddy, 60 anos, o padre Patrício, como prefere ser chamado, à brasileira. Não é difícil imaginar a graça que ele vai pedir nesta Semana Santa – vocações. Sabendo de quem se trata o penitente, mal não faria se crentes, não crentes e homens de boa vontade em geral se juntassem a ele, em coro.

Patrick chegou ao Brasil na década de 1980, para trabalhar como missionário e súbito se espantou com as quantidades: a quantidade de crianças em situação de rua, de programas sociais que não dão certo e do estado de penúria reservado aos centros de atendimento à pobreza. Uma década depois, estava ele mesmo fazendo contas – contas de tijolos, sacos de cimento, pisos e tudo mais, sempre de primeira qualidade, usado para construir a Comunidade Beato Sarnelli, em Campina, um misto de abrigo e colégio para receber jovens com mais de 18 anos, oriundos de uns tantos projetos sociais desde a infância, e que não tinham "dado certo", como se diz.

A obra – erguida com o dinheiro de uma herança – foi sua resposta ao país que o acolheu e no qual decidiu fazer a diferença. Logo ganhou eco. A Comunidade Beato Sarnelli se enquadra naquela categoria de ação social em que originalidade, destreza e persistência não deixam muita margem para os fracassos habituais, em geral por falta de verbas e de gente preparada para o tranco. Os aproximados 30 jovens que a comunidade comporta seguem normas muito próximas de um seminário católico – há hora para tudo e lhes cabe todo o serviço doméstico, da roupa à louça. Tem missa diária, claro.

Regras e cordialidade

A disciplina ajuda os moradores a retomarem suas vidas, depois de anos expostos à informalidade das ruas ou de famílias marcadas pela separação, violência e carência extrema. Mas as regras de convento não fariam efeito se não houvesse ali um clima de família irresistível, promovido por Patrick, um perfeito estrangeiro cordial, misturando o hábito preto, terço a metro, uma jaqueta da Adidas e xícaras de chá. "Sou irlandês, desculpem...".

O cenário em que ele transita é repleto de quadros na parede, espaços de convivência, reuniões na cozinha para fritar bolinhos de arroz. Some-se a correria atrás dos vira-latas Pepe, Guinness (em homenagem à cerveja irlandesa), Iankee e Pretinha, ali reunidos por causa da paixão terrena do religioso por cães. As dezenas de pares de sapato na porta da biblioteca – onde só se entra descalço – completam a paisagem. É tão inesperado quanto o local que abalou as crenças sobre o atendimento à infância e adolescência abandonada.

Patrick entende que o que há de melhor a deixar para os meninos da Beato Sarnelli é o estudo. Assim como a casa onde moram, a escola onde se educam tem de ser boa. De preferência a melhor. Quando os jovens chegam – depois de abordagens do padre nas ruas ou ao vê-los bater à porta, aos farrapos, derrotados pela dependência química – faz-se um teste para descobrir o que aprenderam nas raras passagens pelo sistema de ensino.

O resultado diz em que série podem entrar, não raro bem abaixo da cursada. Dali em diante, o aluno será acompanhado por professores particulares, até chegar ao momento adequado para integrar uma turma, paripassu, sem que se sinta um oriundo de um trabalho social, sem condições de igualdade com os outros. Detalhe: cerca de 40 moradores da Sarnelli já se formaram na faculdade e cinco fizeram mestrado.

Milagre? Talvez uma nova pedagogia. Patrick não se gaba. O que sabe é que decidiu fundar o instituto dos Irmãos de Misericórdia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro para dar continuidade a esse projeto que admite sem igual. Nem sempre foi o menor do mundo. No começo, apareceram operários, como se diz no jargão religioso. Chegou a ter três noviços, que já se foram. O fundador continua pedindo em preces. "Se for vontade de Deus, os candidatos virão. Se não virem..." Fácil completar a frase. Mas a essa altura, difícil quem já não esteja rezando.

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