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Michael Genofre, pai de Rachel | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Michael Genofre, pai de Rachel| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Uma semana depois da morte de Rachel Maria Lobo de Oliveira, 9 anos, encontrada na madrugada da última quarta-feira dentro de uma mala deixada na Rodoferroviária de Curitiba, seu pai, o estudante de relações internacionais, Michael Genofre, 30 anos, começa a articular uma campanha de combate à pedofilia. Em entrevista à Gazeta do Povo, Genofre falou sobre a filha, as investigações, a relação com a ex-mulher, as condições que faziam com que Rachel tivesse que ir para a escola sozinha e sobre culpa. Confira os principais trechos da entrevista.

Michael, como era o jeito de ser da Rachel?

A Rachel era uma menina bastante espontânea, alegre, curiosa, que gostava de perguntar sobre tudo, bastante estudiosa, mas que não era muito chegada em fazer lição de casa. Ela tinha um lado religioso muito forte, tinha a parte militante, queria ser vereadora e estava ansiosa para entrar na 5ª série para poder ir para o grêmio da escola.

Rachel era uma menina que se empolgava, mas que, às vezes, era moleca também. Era vaidosa com cabelo, com maquiagem, com roupa, mas uma menina que queria fazer jiu-jitsu, futsal. Ela tinha vários sonhos.

Com era a educação dela?

Nós sempre deixamos claro para ela que você tem que ter uma opinião política, uma educação de valores, de princípios. Então, falávamos para ela: 'filha, quem não gosta de política é governado por quem gosta'. 'Quem não tem opinião acaba usando a opinião do outro'. Ela ia de cabeça.

Rachel enfrentava algum problema psicológico?

Ano passado, as professoras delas pediram para nós a levarmos a psicopedagoga porque desconfiavam que Rachel fosse superdotada. A criança superdotada, quando se interessa por uma matéria e a matéria não corresponde, desanima-se, desinteressa-se. Isso deixava ela meio nervosa. Desde o ano passado ela estava indo em uma psicopedagoga. Até um veículo de imprensa divulgou que ela estava nervosa nas últimas semana e que ela estava indo em uma psicóloga. Na verdade era uma psicopedagoga.

Como era exatamente a sua relação com a mãe de Rachel?

Nós nos casamos e ficamos juntos praticamente um ano. Quando decidimos nos separar, a Rachel tinha quase um ano. A mãe da Rachel foi morar com o pai e eu fui tocando a vida. Ela nunca atrapalhou eu a Rachel de nos vermos. Sempre foi uma coisa bem saudável. Sempre conversávamos sobre Rachel. Até aquelas discussão típicas de ex-marido e ex-mulher nem sequer tínhamos perto da Rachel. Sempre tomamos muito cuidado com isso.

No processo de separação, eu tinha direito aos fins de semana alternados. Mas, como eu viajo muito, às vezes, eu ficava um pouco mais, duas semanas, um pouco menos, mas tinha meses que eu ficava o mês inteiro. Todas as férias ela passava comigo, tanto as de inverno, quanto de verão.

Essa questão de ela ir sozinha para o colégio. Por que motivo era necessário isso?

Não foi nem por falta de dinheiro. É que nós não tínhamos uma van que levasse a Rachel lá na casa da mãe dela. Não tinha transporte escolar para atender a região onde a mãe dela mora. Nós até queríamos trocar a Rachel para uma escola mais perto da casa da mãe dela, mas ela não quis, porque ela gostou muito da escola que ela estava. Ela pensava em continuar os estudos lá, fazer magistério.

Cada vez que falávamos que precisávamos trocar ela de colégio, por causa da questão do transporte, ela ficava muito brava.

Outra coisa: a gente cria os filhos para serem independentes. Queríamos uma mulher bem feita, bem resolvida, independente, que tivesse condição de fazer suas próprias escolhas. Acontecimentos como esses podem acontecer até mesmo dentro da própria escola. Não é algo que você prevê. Não é um caso do negligência. Foi uma fatalidade.

Quando ela começou a ir sozinha?

No ano passado, ela ia e voltava com a tia dela, ou com a mãe dela, às vezes, comigo. Sempre tinha alguém para ir buscar. Achávamos que ela não tinha maturidade para ir e voltar sozinha até o ano passado. Aí esse ano foi um negócio bem progressivo. Fiquei umas duas ou três semanas indo com ela. Depois fui acompanhando um pouco mais a distância. Quando eu vi que ela tinha bastante segurança para ir e voltar sozinha, ela começou a poder ir sozinha.

Vocês foram questionados muito em relação se havia algum sentimento de culpa. Existe?

Não. Eu repito o que venho falando até agora. Em uma fatalidade dessas, o culpado é o assassino, não a família. Depois do ocorrido, uma parte da sociedade tem o hábito de achar soluções. Se tivesse isso... Se tivesse aquilo...Se você for nessa onda você amarra seu filho na cama, não deixa ele sair de casa. E ainda assim ele não está seguro. Esse tipo de violência também acontece dentro de casa. Não numa casa saudável como da minha família, mas há casos que acontece dentro de casa também. Essa parte de culpa eu não tenho, não tenho mesmo.

Se pudesse voltar no tempo, ainda assim você permitira que Rachel fosse e voltasse sozinha para a escola?

Eu continuaria, assim como eu continuo confiando na minha filha até hoje. Claro que toda vez que a minha filha voltava sozinha, andava sozinha, a gente ficava com o coração na mão.

Da escola, ela saía com um monte de amiguinhos juntos, ela atravessava exatamente uma, duas ruas para chegar até o ponto de ônibus e, no máximo, três ruas do ponto de ônibus para à casa dela, em um bairro que é extremamente tranqüilo. Tem uma parte da Vila Guaíra que é perigosa, mas a parte que ela mora é tranqüila. E toda a vizinhança do local onde ela moral conhecia a Rachel. Então, se o pai não confia no próprio filho, que espécie de educação que está dando?

A polícia trabalha com a hipótese de que o assassino tenha sido alguém que a Rachel conhecia ou alguém que se aproximou dela. Essa pessoa pode até ser uma conhecida sua. Como é isso para você?

No momento, não estamos pensando nisso. O que a polícia me explicou é que eles vão trabalhar com todas as possibilidades. Todas. Existe a possibilidade de ser premeditado, de ser planejado isso, de ser alguém próximo a família. Existe infinitas possibilidades.

Você tem algum suspeito?

Não. Nenhum.

Como você avalia o rumo das investigações?

Nós não temos escolha. Tem de confiar na polícia. Se a polícia não chegar até o indivíduo, não tem quem chegue. Os policiais, tanto pela parte profissional, como pela opinião pública, como também pela história, estão mobilizados. Então, tudo contribui para que eles façam o melhor.

Em outras entrevistas você disse que vocês levaram sorte de o corpo ter sido encontrado logo. Mesmo o corpo tendo sido encontrado naquela situação vocês acreditam que tiveram sorte e que foi melhor do que ela permanecesse desaparecida?

Tem casos em Curitiba – alguns até de longa data – que até hoje nós não temos a menor idéia do que aconteceu: se está vivo, se já morreu, como morreu, de que forma. Então, você fica esperando. Nas quase vinte quatro horas em que a minha filha ficou desaparecida, a angústia de que ela podia chegar a qualquer momento era uma coisa absurda.

Eu busco um equilíbrio de espírito porque tem pessoas que dependem de mim, mas por dentro era uma angústia danada. Você não sabia se era uma traquinagem da Rachel ou se era uma coisa mais grave. Eu tinha pensado em todas as possibilidades.

Eu e alguns amigos comentamos 'pode acontecer o pior, vamos nos preparar para o pior', mas o que aconteceu foi inimaginável, eu jamais imaginaria que isso aconteceria um dia. Demoramos para contar para a mãe da Rachel. Ela soube que a nossa filha veio a falecer, mas não como, o que tinha acontecido. Depois, com a divulgação da mídia, foi inevitável. Aí resolvemos contar tudo.

Alguns pais de alunos, colegas e pessoas que pegavam ônibus com Rachel relataram que ela ficava esperando na escola que alguém fosse buscar e, às vezes, acontecia de a esquecerem. Contam também que, às vezes, ela não tinha sequer dinheiro para pegar ônibus. Isto é verdade?

Não, não. Até o ano passado, o tio dela trabalhava no Instituto de Educação. Às vezes, dava 6, 7, 8 horas da noite, mas ela estava com o tio dela. Esquecida ela nunca foi. A partir desse ano, ela passou a ir e voltar sozinha, mas sempre teve dinheiro para passagem.

Em relação ao dinheiro é o seguinte: criança faz o quê? Pega o dinheirinho dela da passagem e compra em doce. Às vezes, ela fazia disso. Brigava um monte com ela.

Ela nunca me contou não. Mas eu acabava sabendo. Ela tinha esse lado moleca

Ela estava radiante no dia que desapareceu...

Eu ia dar um bronca nela, não lembro porque, bronca de pai, mas ela disse: "pai, ganhei o concurso'. Então, aquele não era um dia de dar bronca, mas de comemorar, festejar. Ela estava em um momento feliz da vida dela. Ela levou o trofeuzinho para mostrar para os amigos, para os colegas.

Você acha que o fato de ela querer mostrar o troféu para todo mundo pode ter contribuído para a aproximação do assassino?

Não dá para afirmar. O sujeito pode ter aproveitado do momento, mas não dá para saber. Isso só quando a polícia capturar a pessoa e comprovar que é ele. Aí nós vamos ver a reconstituição da história

O que você pretende fazer quando ficar frente a frente com o assassino de sua filha?

Também não sei. Aí é o lado da fé. Na hora, o pai celestial vai me dar uma sabedoria e eu vou saber o que aconteceu, o que deixou de acontecer. O que nós queremos e temos que desejar é que a justiça seja feita. Que justiça? A que ele merece. Não posso decidir que ele seja torturado. Pessoas de bem não pensam assim.

Claro, não esquecemos o ocorrido e estamos ansiosos que se resolva o quanto antes essa história toda, até para podermos tocar a vida.

Quais são seus planos agora?

Para não deixar passar em branco, até pelo lado militante da minha fillha, nós vamos discutir, vamos ver essa parte de pedofilia. Discutir as causas, onde começa, como é isso, o que podemos fazer como cidadão para que isso acabe.

Estou conversando, ainda, com colegas do meu partido (PC do B), com colegas de outros partidos, com outros amigos, vamos vendo. A direção do meu partido pediu um tempo também. Disseram: 'esfria a cabeça, decisões importantes não se tomam de cabeça quente'.

A idéia é fazer políticas públicas que discutam a pedofilia. Não sei se vai ser uma ONG, se vai ser por meio de movimentos sociais, por meio de personalidades públicas. Eu não fechei o formato ainda. Vou entrar em contato agora com algumas associações, com algumas coisas, me informar melhor, mas com certeza alguma coisa será feita.

Você tem alguma mensagem para as pessoas que estão acompanhando o caso?

Só queria agradecer o esforço de vocês da imprensa e quem orou junto conosco para que esse caso se resolva logo.

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