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Reprodução de retrato do escritor e historiador José Francisco da Rocha Pombo. | Divulgação/Acervo Museu Paranaense
Reprodução de retrato do escritor e historiador José Francisco da Rocha Pombo.| Foto: Divulgação/Acervo Museu Paranaense

Dúvidas, contradições e mistério. A trama que envolve a produção de um dos livros mais polêmicos sobre a passagem da Revolução Federalista (1893-1895) no Paraná é recheada de indagações que permanecem sem resposta há mais de um século.

IHGPR/Reprodução

Os originais da obra Para a História, por exemplo, nunca apareceram. O que há de certeza é que o livro começou a ser escrito em Curitiba no ano de 1894. O resto é tomado por dúvidas.

Finalizado em 1898, passou oito décadas trancafiado – ninguém sabe precisar onde. Somente há 35 anos, em 1980, é que Para a História foi publicado, com uma tiragem de mil exemplares e autoria atribuída ao escritor, historiador e jornalista José Francisco da Rocha Pombo.

Antes disso, segundo o pesquisador Marcelo Echeverria, os manuscritos passaram pelas mãos de diversos intelectuais. A primeira menção ao livro Para a História foi encontrada na obra Profanações, de Valfrido Piloto, de 1947. Rocha Pombo já havia morrido em 1933.

Interrogação

A demora em publicar o livro, o vaivém dos originais e o estilo de texto levam os pesquisadores a questionar a autoria da obra. Muitos acreditam que o verdadeiro escritor do livro seria o poeta e jornalista Leôncio Correia.

Trechos suprimidos

Um aspecto que coloca outra interrogação em torno da obra corresponde ao número de páginas do livro. Valfrido Piloto afirma que o original era composto de “duzentas e tantas laudas” e a versão publicada em 1980, no entanto, tem 165 páginas. Na própria apresentação do Para a História editado há 35 anos há uma explicação de que a publicação é baseada em uma das cópias datilografadas existentes em Curitiba e que há trechos suprimidos e que o resultado é uma “cópia mutilada”. “O julgamento severo dos personagens envolvidos no episódio, os conceitos desairosos emitidos, feriram suscetibilidades, motivo por que essas laudas foram suprimidas aos originais, redundando numa cópia mutilada, perceptível ao deparar-se com trechos descontínuos”.

A historiadora e professora Cassiana de Lacerda diz desconhecer a procedência do texto que deu origem à edição do livro. Ela conta que ao contrário do que é aludido no livro, Rocha Pombo nunca foi redator do Diário do Comércio, jornal pertencente ao Barão do Serro Azul, mas Leôncio Correia sim.

O historiador Kallil Assad, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, compartilha desse ponto de vista. Segundo ele, não há indícios para crer que Rocha Pombo tenha sido o autor do livro.

A própria demora para publicá-lo reforçaria essa tese. “O estilo literário não era o dele. O estilo do livro é mais parecido com o do poeta e jornalista Leôncio Correia”, afirma.

Relatos

Interesse político

O foco principal do livro Para a História é a participação de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, na Revolução. “Leôncio era sobrinho do Barão, o que colabora para crer que foi ele o autor do livro”, diz o historiador Kallil Assad. A pesquisadora Cassiana Lacerda, que teve acesso aos manuscritos de Rocha Pombo, conta que nunca encontrou nada sobre a Revolução Federalista. A tudo isso acrescente-se o fato de que Leôncio Correia ocupou diversos cargos públicos até sua morte em 1950. Certamente não lhe convinha entrar em embate com uma família poderosa da cena política paranaense.

Esse mistério fica ainda mais evidente diante de alguns aspectos narrados pela própria História. Valfrido Piloto, em Profanações, conta que teve conhecimento da obra misteriosa a partir de uma conversa com o próprio Leôncio Correia no Rio de Janeiro em 1938, quando Rocha Pombo já não estava vivo para confirmar ou desmentir os fatos.

Contraposto

Segundo o historiador, Renato Mocellin, a história da Revolução Federalista narrada por Rocha Pombo se contrapõe aos livros clássicos editado no Paraná, especialmente os trabalhos de David Carneiro, Francisco Brito de Lacerda, José Bernardino Bormann e do general José Cândido da Silva Muricy. “As obras de David Carneiro e Brito de Lacerda são exageradamente parciais, mitificando Gomes Carneiro, demonizando os federalistas e tecendo loas aos governistas”, aponta. Em Para a História há uma tentativa de resgatar a dignidade e afirmar a inocência do Barão do Serro Azul.

Outro ponto conflitante: Piloto denuncia no livro que das três partes das quais o livro é composto, só chegaram a ele as duas últimas. A primeira, sobre biografia do Barão do Serro Azul, só a encontrou depois, em 1942, inserida sem indicação de procedência e autoria, como parte de um dos capítulos da obra Barão do Serro Azul escrito justamente por Leôncio Correia.

“De fato é possível encontrar no original de Leôncio Correia entre as páginas 89 e 109 a primeira parte do trabalho Para a História de Rocha Pombo, colocado dentro das análises de Leôncio Correia sem qualquer tipo de referência”, escreve o pesquisador Marcelo Echeverria.

Livro é dividido em três partes e trata da Revolução Federalista

Dividido em três partes, Para a História trata de quando a Revolução Federalista chegou ao Paraná, abordando especialmente o envolvimento e a morte de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul.

A primeira parte do livro, a menos extensa, tem o título “Notícia Biográfica do Barão do Serro Azul”. Nela, é apresentada a trajetória inicial de Ildefonso Correia, nascido em Paranaguá no ano de 1845, em uma rica família da tradição ervateira local.

A segunda parte de Para a História faz a delimitação temporal dos acontecimentos desde a entrada dos revolucionários em janeiro de 1894 até a retomada pelas forças do governo geral. Na terceira parte há o relato sobre a prisão do Barão do Serro Azul, seus dias de carceragem e, finalmente, a última viagem que culminou em seu assassinato no quilômetro 65 da estrada de ferro.

Independente do mistério em torno da sua autoria, a obra possui um valor histórico muito importante para o Paraná. “O livro tem todo um valor e importância, mas é bom ter em mente que é uma visão parcial da história”, ressalta o pesquisador Kallil Assad.

O historiador Renato Mocellin, autor do livro Pica-paus x Maragatos – a mais sangrenta guerra civil brasileira, afirma que, infelizmente, não tem como precisar a autoria do livro polêmico.

“Porém, percebe-se que a obra sofreu mutilações. Há também erros factuais que dificilmente Rocha Pombo teria cometido”, ressalta.

Barão foi executado por pagar a maragatos para livrar Curitiba de saques

A Revolução Federalista deixou entre 10 mil a 12 mil pessoas mortas durante os anos 1893 e 1895. De um lado estavam os federalistas, chamados de maragatos, cuja maioria dos integrantes defendia um governo parlamentarista. Eles queriam chegar até o Rio de Janeiro para depor o presidente Marechal Floriano Peixoto.

Os rebeldes também lutavam contra o governador do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos. Foi, inclusive, nas terras gaúchas que as tropas começaram a se reunir para derrubar o poder vigente.

Do outro lado estavam os legalistas – apelidados de pica-paus, que defendiam o governo.

Segundo o pesquisador Renato Mocellin, o objetivo dos federalistas era tirar Floriano Peixoto da Presidência da República e Júlio de Castilhos do cargo de então presidente do estado do Rio Grande do Sul. Também objetivavam tirar Vicente Machado do governo paranaense.

O Barão entra em cena

Em janeiro de 1894, os maragatos chegaram ao Paraná. Para não saquear Curitiba, os federalistas exigiam “empréstimos de guerra”.

Foi nesse período que Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, pagou aos federalistas para que a cidade não fosse alvo de saques.

Quando os legalistas retomaram Curitiba, mandaram prender o Barão do Serro Azul e mais cinco companheiros sob a alegação de que deveriam ser julgados pelo Conselho Militar pela “ajuda” que teriam dado aos maragatos.

Mas, na noite do dia 20 de maio de 1894, foram levados de trem com o pretexto de que embarcariam em um navio com destino ao Rio de Janeiro, onde receberiam a sentença. Era uma emboscada e todos eles foram executados no meio do caminho.

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