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Drama

Para sobreviver, Miguel enfrenta doença e miséria

Menino de 8 anos depende de transplante de coração. Mas condições da casa em que ele mora, em Araucária, impedem que a cirurgia seja feita

Esgoto a céu aberto, mofo e outros riscos: Vigilância Sanitária deu parecer contrário à permanência de transplantado no local. | Fotos: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo
Esgoto a céu aberto, mofo e outros riscos: Vigilância Sanitária deu parecer contrário à permanência de transplantado no local. (Foto: Fotos: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo)

É difícil imaginar algo mais terrível para uma família do que o diagnóstico de uma doença cardíaca severa em uma criança de 8 anos. No entanto, para a família de Miguel Gutbeir, a notícia de que o garoto precisa enfrentar um transplante de coração para sobreviver veio seguida de outra, ainda mais grave: a pobreza poderia colocar em risco o sucesso da cirurgia que pode salvá-lo.

A saúde de Miguel se tornou frágil depois que ele contraiu uma pneumonia, aos 6 anos de idade. A infecção deixou sequelas no coração. Por causa da doença, Miguel não pode fazer esforço. Brincar de jogar bola, andar de bicicleta ou correr pela rua se tornaram atividades perigosas. A distração passou a ser o videogame, que a família recebeu de uma doação. Mas, desde o fim do ano passado, nem mesmo os joguinhos eletrônicos eram capazes de animar o garoto, que não se alimentava mais direito, perdia peso e se tornava a cada dia mais debilitado.

Pouco dias depois do Natal, Miguel foi internado no Hospital Pequeno Príncipe. Com o coração fragilizado, apenas um transplante seria capaz de devolver a saúde ao menino. O que seria a solução, no entanto, acabou esbarrando na falta de condições em que a família vive.

Miguel mora com a avó, Marlene Souza, e mais três irmãs em um casa de madeira de 52 m2 no bairro Itaipu II, em Araucária. O banheiro divide espaço com a cozinha, dentro de um mesmo cômodo. Ao lado da casa, uma valeta leva o esgoto de uma ocupação próxima e abriga insetos e roedores. Cães circulam pelo quintal e também pelos cômodos da casa. No teto da cozinha, pequenas teias de aranha e a madeira suja de mofo, poeira e danificada pelos cupins.

Nos últimos tempos, Miguel deixou seu quarto para dividir a cama com a avó. O colchão, velho e sem capa, com a espuma à mostra, foi coberto com plástico para não ser danificado pela urina do garoto, que sofre de incontinência causada pela medicação. "A casa não tem condições de receber uma criança recém-transplantada", diz a coordenadora administrativa do Centro de Saúde Industrial, Rosemery Souza.

A pedido do Serviço Social do Hospital, enfermeiros fizeram uma vistoria na moradia e constataram que seria preciso fazer uma reforma geral. "Não podemos deixar que um paciente fique em condições que coloquem em risco o sucesso do transplante", explica o coordenador clínico da equipe de transplante cardíaco do Hospital Pequeno Príncipe, Leonardo Cavadas Soares.

Pela gravidade do estado de saúde, Miguel se encontra hoje em um nível prioritário para transplante. "A saúde dele vem piorando desde julho. Estamos conseguindo mantê-lo com medicamentos, deixando a pressão estável, mas isso pode falhar e colocar a vida dele em risco", explica o médico. Assim que surgir um doador compatível, Miguel receberá um novo coração. Mas aí tem início outro problema. Os pacientes ficam em média uma semana na UTI e depois cerca de 30 a 40 dias internados. Depois disso, o garoto teria que ir para casa.

Pela estimativa da família, uma reforma de acordo com as exigências da Vigilância Sanitária, incluindo construção de alvenaria, com móveis novos, dois banheiros e a estrutura mínima para abrigar decentemente a avó e as quatro crianças custaria pelo menos R$ 16 mil.

"A mão-de-obra eu consegui com uma construtora e a prefeitura disse que vai liberar R$ 7 mil, mas o problema é que esse dinheiro viria em parcelas de R$ 700", conta a avó, Marlene. Mesmo com todo o dinheiro necessário nas mãos, a família teria de correr contra o tempo. Seriam necessários cerca de dois meses para erguer uma nova casa.

Desde a internação, a avó e a mãe, Isabel, que trabalhavam como empregadas domésticas, largaram os empregos para conseguir se revezar nas vigílias no hospital. As irmãs de Miguel, de férias da escola, passam os dias na casa da tia. "A gente vai se mantendo com os R$ 415 que recebo do INSS", conta a mãe.

Se não bastasse tudo isso, dos seis filhos, duas meninas gêmeas também têm problema no coração. E o mais novo, de apenas 8 meses, nasceu com uma doença nos ossos. Para enfrentar as dificuldades, a família tem contado com a solidariedade de pessoas como a professora universitária Araci Asinelli da Luz, que emprega Marlene. Foi ela quem enviou uma carta à Gazeta do Povo relatando o drama vivido pela família.

"Ajudar uma criança nesta situação é o mínimo que a gente pode fazer". Ela conta que, depois da publicação da carta, na edição do último domingo, algumas pessoas já se manifestaram querendo ajudar a família. "Mas ainda há muito o que ser feito", reconhece.

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