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Angolano de Luanda, Tiago de Almeida Gomes de Amorim tinha 48 anos e era naturalizado no Brasil. Todos o conheciam como “Cobra”. O apelido surgiu através de seus amigos do paraquedismo, pois as queimaduras em sua pele, decorrentes de um acidente quando ainda era criança, remetiam à escamas do réptil. Cobra deixou uma esposa e um filho de 16 anos ao sofrer um acidente após decolar de speed fly — modalidade que une o paraquedas e o parapente — da rampa da Pedra Bonita, em São Conrado, no último domingo. Antes de morrer, amigos que estavam no local relataram que ele ainda chegou a ligar para sua mulher, disse que havia sofrido um acidente, mas que estava bem.

Cobra era um dos pilotos-teste de velas de speed fly da fábrica alemã Swing Speedflying Team, mas nem ele poderia imaginar que seria uma das grandes referências mundiais de speed fly: ele tinha medo de altura. Cobra resolveu tratar sua fobia ao completar 41 anos. Em 3 de novembro de 2014, o GLOBO acompanhou com exclusividade um voo de speed fly do atleta do Corcovado e, na ocasião ele contou como começou a praticar esportes radicais.

“Tinha medo até de varanda e fui procurar o paraquedismo como tratamento. Hoje fico triste quando passam cinco dias e não consigo fazer um único voo. Voar é se tornou algo imprescindível. Como eu não nasci com asa tenho que buscar essa necessidade fisiológica”, disse ele.

Paraquedista morre após saltar de “speed fly” da Pedra Bonita

Tiago Amorim Cobra, de 48 anos, caiu na mata depois de pular de “speed fly”, um parapente de alta velocidade, em São Conrado, na zona sul do Rio

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Antes de descobrir o speed fly, Amorim praticou diversos esportes radicais, mas abandonou todos pela modalidade que o fez se apaixonar. Ele dizia que o wingsuit e o base jump eram legais, mas que o estressavam pois o faziam pensar na morte. Para ele, o speed fly era uma atividade de alto risco, mas que o fazia se sentir tranquilo.

Paolo Giglio, instrutor de voo livre e de paramotor, foi professor de paramotor de Cobra e o conheceu em um curso de paraquedismo. Ele lembra como o amigo era apaixonado por voar.

“Estava começando as aulas e o Cobra já estava formado há um ano. Depois, ele começou a praticar frefly, uma modalidade onde os paraquedistas realizam acrobacias aéreas. Em seguida, ele foi fazer base jump e wingsuit. O voo livre começou a chamar a sua atenção e ele foi fazer o curso de parapente. Ele se tornou meu aluno quando me procurou para fazer o curso de paramotor. Por causa do acidente na infância, ele tinha certas limitações e o peso do equipamento começou a ser um problema, foi quando ele optou pelo speed fly”, lembra Giglio.

‘Cobra confiava demais no seu equipamento’

Giglio conta que Cobra se aperfeiçoou no speed fly e se tornou um dos atletas brasileiros que mais voava na modalidade.

“Ele era apaixonado e dava para perceber esse sentimento. O Cobra era destemido e confiava demais no seu equipamento, talvez esse tenha sido o problema. No domingo, as condições meteorológicas não estavam boas, mas ele não acreditou nelas e foi negligente”, lamenta o amigo.

O amigo e também piloto de speed fly Robson Richers concorda com Giglio.

“O Cobra era ousado, essa era uma das características do voo dele, mas ele tinha muito preparo. A fábrica que ele era piloto tinha acabado de enviar para ele uma vela de seis metros, a menor já fabricada no mundo. Só cinco pessoas receberam esse equipamento. Da galera que voa hoje de speed fly no Brasil, acho que 80% aprendeu com o Cobra. Ele foi o cara que mais voava e acredito que vai continuar sendo por um bom tempo. Ele voava praticamente todos os dias. O esporte perde em tudo, tem gente no mundo todo lamentando o seu falecimento”, diz Richers que aprendeu o esporte com Cobra.

Trazido da Europa para o Brasil há pouco mais de quatro anos, o speed fly é uma mistura do paraquedas com o parapente e o equipamento é uma adaptação do speed ride, usado por esquiadores para descer montanhas. Cobra voava de speed fly há quatro anos e conheceu o esporte na Suíça ao ver uma amiga praticando. Na época, ele comprou uma vela importada e trouxe para cá. A modalidade ainda é recente no país e durante a entrevista do ano passado, Cobra estimava que apenas 10 pessoas praticassem a atividade em terras brasileiras.

Na mesma entrevista, Cobra explicou as diferenças entre o speed fly e o parapente.

“A vela do speed pode ser a partir de cinco metros e meio a 19 metros e pesa no máximo dois quilos. Já o parapente pesa cerca de oito quilos e sua vela tem 22 metros. No ar, o parapente pode fechar. Com o speed não há esse risco, somente em algumas condições meteorológicas específicas. Além disso, o speed é muito mais rápido e o plano de voo já precisa estar definido antes da decolagem”, analisou o atleta, que possuía cinco velas com 19, 16, 11 e oito metros.

Com um custo de R$ 5 mil, o speed fly pode atingir a velocidade máxima de 160 km/h, o que o torna um esporte arriscado. Cobra dizia que o speed fly é muito mais perigoso do que o parapente e que para chegar a essa constatação era só observar o baixo número de pessoas praticando a modalidade. Afirmava também que é preciso ter noção de velocidade para voar de speed fly.

Amorim advertia que para praticar a atividade é preciso fazer o curso de formação de piloto de parapente.

“Para voar de speed fly tem que ser profissional. Apesar do esporte remeter ao paraquedismo, esta modalidade não te ensina a pousar. São as noções apreendidas nas lições de parapente que serão necessárias para o voo de speed. Esses fundamentos é que vão te ensinar sobre a dinâmica dos fluídos no relevo e a sair das roubadas de meteorologia. O parapente é mais lento e como tudo que é devagar a chance de dar alguma coisa errada é menor- afirmou na época.”

Ao saltar de speed fly do Corcovado, Cobra se tornou um dos poucos a ter tido a chance de decolar do monumento do Cristo Redendor. O francês Stephan Dunoyer de Segonzac, Ruy Marra e Bruno Menescal haviam voado de parapente do mesmo local. O voo de Cobra aconteceu do lado sul da montanha e sob o braço direito do Redentor e diante de uma plateia dividida entre os que o encorajavam e os que tentavam fazê-lo desistir da aventura. O atleta planejou o feito durante dois meses.

“Foi a decolagem mais difícil que eu já fiz em toda a minha vida, altamente técnica e perigosa. O abismo estava logo ali. É preciso muito treino, dedicação e muitos anos no esporte para fazer essa brincadeira com segurança. Foi uma chance única e estou maravilhado por ter conseguido voar de um lugar tão lindo. O presente veio no final, exatamente como na vida: quanto mais a gente luta por algo, mais o valorizamos e o merecemos”, disse ele após aterrissar em uma das pistas da Sociedade Hípica Brasileira após pouco mais de três minutos de voo .

Na época, ao saber do voo de Amorim, o parapentista Luiz Octavio Cardoso de Menezes Filho se emocionou.

“A decolagem de Ruy Marra e Bruno Menescal em 1989 foi última e me dá a maior emoção em saber que o Cobra realizou essa proeza, ele criou um novo marco! O Corcovado é um símbolo que abençoa o Rio e o fato de não ser permitido voar de lá, dá uma vontade de quebrar as regras. Não há quem voe e não tenha vontade de decolar dali. Talvez por causa do Cobra daqui a 10 anos já seja permitido voar de qualquer ponto do Cristo Redentor”, revelou Menezes Filho.

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