Em episódio que lembra a recente guerra terrorista no Oriente Médio, uma equipe de jornalismo da Rede Globo foi seqüestrada na manhã de sábado num ato de chantagem que culminou na divulgação de vídeo supostamente gravado pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) contra o sistema carcerário. O repórter Guilherme de Azevedo Portanova continuava sob o poder dos seqüestradores até o fechamento desta edição.
O auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado seqüestrado ao lado de Portanova foi libertado por volta das 22h30 de sábado, também perto da sede da tevê, na Avenida Luís Carlos Berrini, zona sul de São Paulo. Os criminosos determinaram que ele levasse o DVD com a gravação à cúpula da tevê e exigisse a transmissão imediata. Caso contrário, o repórter seria morto. O técnico passa bem.
No vídeo, um suposto integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital) faz críticas ao sistema penitenciário em frente de uma parede pichada (leia texto ao lado). O filme foi exibido à 0h28. O boletim foi apresentado pelo jornalista César Tralli e durou 3min e 36seg. Horas antes, no Jornal Nacional, a Globo exibiu os retratos falados dos suspeitos.
O diretor de jornalismo da TV Globo São Paulo, Luiz Cláudio Latgê, disse que a decisão de atender à reivindicação dos criminosos foi da emissora, sem participação do governo de São Paulo ou da polícia.
A ação
O repórter e o auxiliar técnico haviam passado na padaria cerca de uma hora após chegar à emissora. Eles deixavam o local rumo a uma caminhonete da Globo quando, segundo testemunhas ouvidas pela Folha, foram abordados por dois homens armados que também estavam no estabelecimento. Um dos homens os fez entrar em um Vectra escuro; o outro entrou em um Gol vermelho.
Dois motoristas de um hotel próximo ao local chegavam à padaria no momento da ação e foram rendidos. Antes de fugir, um dos criminosos entrou no carro da Globo e mexeu nos equipamentos de televisão que lá estavam, mas nada levou. Os motoristas relataram que outro homem em uma moto também participou da ação. "Tudo foi muito rápido, no máximo um minuto e meio. Pareceu planejado", disse um deles.
O Vectra foi encontrado por volta das 8h15 na Avenida Portugal, no Brooklin. Ele havia sido roubado no último dia 10. Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, os criminosos tiraram os funcionários da Globo do veículo e, com eles, entraram no Gol vermelho. Em seguida, o homem que estava na moto ateou fogo no Vectra e fugiu.
Libertado, o técnico relatou que ficou ao lado do colega durante todo o tempo, encapuzado e com a cabeça abaixada, dentro de um carro parado. Por volta das 21h30, o repórter foi levado a outro carro e o auxiliar deixado próximo à sede da emissora, com o DVD que foi ao ar.
Investigação
O delegado Dejair Rodrigues, do 96.º DP, que investiga o caso, diz que de quatro a cinco pessoas devem estar envolvidas na ação. "Estou há 31 anos na polícia, e é primeira vez que vejo isso, seqüestrar um repórter desse jeito." Rodrigues disse não descartar nenhuma hipótese.
Questionado se o PCC poderia estar por trás da ação, o delegado ficou em silêncio. Segundos depois, disse: "Não estou dizendo que é o PCC." Outras autoridades disseram à reportagem que a facção está envolvida. A Polícia Federal auxilia na investigação.
A reportagem falou por telefone com a mãe de Portanova, a advogada Maria Elisabeth Lacerda de Azevedo. "Vou me inteirar sobre tudo agora. Não tenho cabeça para falar nada, por enquanto", disse ela, logo após desembarcar em São Paulo, vinda de Porto Alegre (RS).
Precauções
A recomendação era de que a fita fosse ao ar "o mais rápido possível e que fosse veiculada a parte em que um integrante do PCC lê um manifesto. Por esse motivo, segundo a Globo, foi cortado o início do vídeo, que mostrava armas da facção.
Na emissora, a equipe de jornalismo viveu ontem um clima de expectativa e cautela. As equipes foram às ruas acompanhadas por seguranças e quem entrava ou saía da emissora não queria dar declarações.
Outras redes de tevê também estão estudando novos procedimentos de segurança. Na Record, por exemplo, os veículos têm monitoramento via satélite e alguns estão sendo acompanhados por seguranças. Tanto a Record como a Bandeirantes negaram ter recebido o vídeo. Já o SBT recebeu cópia da fita na quarta-feira. O material foi jogado no pátio da emissora, na Anhanguera. A direção optou por não colocar as imagens no ar e encaminhou a gravação ao Ministério Público.



