Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Urbanismo

Pedestre e bicicleta dividem espaço em ciclovia partilhada

Quem anda por Curitiba e encontra uma placa de "circulação partilhada" sabe que está diante de um aviso: a qualquer momento pode ter de dividir a calçada com uma bicicleta. Há 26 anos, quando as ciclovias da cidade começaram a ser implantadas, a divisão do espaço foi propagada como um atestado de civilidade – o que de fato é. Mas os tempos mudaram. Com 1,7 milhão de curitibanos se acotovelando nas ruas, há quem afirme que o modelo partilhado está com os dias contados.

Este é o caso do advogado Marcelo Araújo, professor de Direito do Trânsito nas Faculdades Curitiba. Para ele, a dobradinha bikers e caminhantes é o princípio da confusão, a começar pelo bairro onde mora, o Campina do Siqueira. Ali, o trecho da ciclovia que passa pela Rua Jerônimo Durski mereceria o apelido de "missão impossível".

Na semana passada, a reportagem da Gazeta do Povo percorreu de bicicleta os 100 quilômetros oficiais da ciclovia de Curitiba – outros 60 quilômetros estão em revisão. Segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), um dos órgãos responsáveis pelo setor, não há um cálculo oficial sobre quanto das vias se enquadram em "circulação partilhada", mas basta lembrar que diversas áreas de grande concentração de automóveis e de passantes obedecem esse formato, somando próximo de 30 quilômetros, algo em torno de 20% do total.

São exemplos de partilha a Avenida Mariano Torres, a Rua Amintas de Barros, ambas no Centro, e o conjunto da Avenida Getúlio Vargas, entre outros, como a Avenida João Bettega, no Portão – a mais importante via, dentre todas, no transporte de trabalhadores. Todas refletem o impacto profundo na cidade de 950 mil veículos milagrosamente distribuídos por 5,5 mil quilômetros de malha viária em 8 mil ruas, uma conta que, se mamãe fizer, tranca a bicicleta na despensa. Em alguns trechos, como o da Avenida Brasília, no Novo Mundo, a "circulação partilhada" virou poeira. Além de pedestres demais, o asfalto é de tal forma irregular que mais convida a um bicicross no asfalto. O agravante – em vários pontos – é que não há guias rebaixadas, castigando braços e quadris de ciclistas que se sentem descendo a Graciosa numa Calói 1974. Além das partilhas incluírem postes, bancas de revista e pontos de ônibus. Uma festa.

A "circulação partilhada", avalia Marcelo Araújo, é um assunto do poder municipal, não fere o Código Nacional do Trânsito, desde que haja sinalização, mas está longe de ser um ponto pacífico. No mesmo passeio, hoje, circulam bicicletas possantes, lado a lado com uma população biodiversa: idosos, crianças, deficientes e os outros – aqueles que ainda são rápidos em se safar de uma fina. "Na faixa de asfalto, são todos motoristas. É simples. Mas não dá para querer colocar na mesma calçada públicos tão diferentes e achar que vai dar tudo certo", opina. Havendo acidentes, e acidentes forçosamente acontecem, o ciclista – embora esteja usando o passeio como qualquer senhora que volte da feira – não pode ser tratado como pedestre, mas como condutor de um veículo enquadrado em atropelamento. "Bicicleta é meio de transporte e só deixa de ser considerado assim se o condutor a estiver empurrando. Nem mesmo um carrinheiro deve ser considerado um pedestre. É condutor e precisa andar na rua, obediente às normas do trânsito. Essa inversão de lugares equivale a reservar uma faixa para pedestres no meio da faixa dos carros. Daria certo?"

A opinião da prefeitura não é a mesma. Para o engenheiro Clever Ubiratan Teixeira de Almeida, assessor de Projetos Especiais do Ippuc, os espaços compartilhados têm de ser incentivados, por promoverem a convivência e porque é impossível criar rotas para todos os destinos necessários. O técnico reconhece que as ciclovias locais nasceram como linhas de passeio e não como vias de acesso ao trabalho ou à escola – o que justifica a democracia das calçadas e os roteiros ligando mais a parques do que a zonas industriais ou comerciais. Mas nunca é tarde.

Clever adianta que dois projetos em andamento no poder público municipal devem mudar um pouco o perfil das ciclovias curitibanas – com 160 quilômetros a rota corresponde a 50% da rede nacional, hoje com minguados 200 quilômetros. O primeiro projeto é o Plano de Mobilidade em Curitiba e Região Metropolitana – que passa a considerar a malha destinada a bicicletas não só como equipamento urbano, mas como rede de transporte da capital. O outro é o Plano de Recuperação de Ciclovias, com financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e ainda sem data para começar. Além de restauros – como o da rota que leva ao Parque Náutico, na divisa com São José dos Pinhais –, as empreitadas podem aumentar a quilometragem, principalmente a voltada pazra o operariado.

O especialista Marcelo Araújo, contudo, não acredita que a nova era das ciclovias chegue assim, sob trilhos. As ruas de Curitiba lhe parecem estreitas demais para comportar ciclofaixas – área para bicicletas na faixa de rolagem –, atestado de maioridade do sistema. Além de faltar à cidade um relevo generoso, como Joinville, um clima menos amuado e cultura ciclística, a exemplo de Paranaguá – onde as ruas viraram ciclovias por força do hábito.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.