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Música

Piano, prestígio e dote matrimonial valorizado

No século 19, o instrumento era exclusivo das mulheres no Brasil. Moças que tocavam tinham mais chances de encontrar um marido

O piano , quando chegou ao Brasil, primeiro foi tido como um instrumento voltado ao público feminino | Daniel Derevecki/ Gazeta do Povo
O piano , quando chegou ao Brasil, primeiro foi tido como um instrumento voltado ao público feminino (Foto: Daniel Derevecki/ Gazeta do Povo)
Pianos Essenfelder, feitos no Paraná, prontos para serem exportados |

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Pianos Essenfelder, feitos no Paraná, prontos para serem exportados

Piano era coisa de mulher. Quando o instrumento chegou ao Brasil, com a vinda da corte real portuguesa, as famílias da aristocracia agregaram à sua cultura geral o instrumento, que deveria ser voltado ao feminino e ficaria onde elas costumavam estar: dentro de casa. Qualquer filha de fazendeiro que se prezava deveria saber tocar música no piano. Dife­­ren­temente da Europa, que no século 19 já tinha homens tocando e se profissionalizando, o piano no Brasil, neste período, ficou restrito às jovens. Acreditava-se que era um instrumento voltado à delicadeza delas. Saber tocar piano implicava em distinguir a moça culta das outras jovens e, como o instrumento era caro e vinha de fora, também simbolizava prestígio. Virou um fenômeno nacional na época."As moças que tocavam piano tinham valor no mercado matrimonial. Uma moça de classe sabia falar francês, tocar e bordar", afirma a maestrina pela Uni­­versidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doutoranda da Universidade de São Paulo (USP) Rita de Cássia Fucci Amato. "Isso foi criado porque a elite daqui estava voltada aos costumes da Europa e acreditava que uma filha que tocasse seria diferente das meninas menos privilegiadas socialmente."

Como inicialmente o piano ficou nas residências da elite, era ali que as moças demonstravam suas habilidades. Não havia aparelhos eletrônicos, por isso o lazer se resumia a seções de leituras, encontros e saraus. "Na Europa o piano teve função mais educativa, aqui passa a ter, inicialmente, esta conotação social. Só mais tarde aparecem os pianistas profissionais no país", explica Rita. Os conservatórios começaram a preparar os músicos somente na metade do século 20. Mas o registro do primeiro conservatório é de 1841, com a criação do Conservatório de Música do Rio de Janeiro, ainda durante o Império.

Os pianos vinham de fora do Brasil e os professores também. O pianista italiano Luigi Chiaffarelli foi contratado por um casal da fazenda de Rio Claro (SP). "A economia cafeeira co­­meça a importar estes emigrantes e seus costumes", diz Rita. Depois Luigi vai para a capital paulista e cria o Con­servatório Dra­­mático e Musical. "Ele foi o professor de duas das maiores pianistas que o Brasil teve, An­­tonietta Rudge e Guiomar Novaes", comenta Rita.

Abolicionismo

Foi por meio do piano que as mulheres, em Goiás, am­­pliaram seus espaços de atuação, antes restritos ao lar, para a vida política. Elas conseguiram autorização para tocar no Teatro São Joaquim e no local criaram o que o historiador Thiago Sant’an­na chamou de Noites Abo­licionistas – ele é professor da Universidade Federal de Goiás. "Elas faziam concertos beneficentes em ocasiões que se relacionavam com a expansão da propaganda abolicionista e a arrecadação de donativos para a composição do Fundo de Emancipação dos escravos", explica Sant’anna. Estas reuniões noturnas, conforme lembra o historiador, muitas vezes foram chefiadas por elas. "Os esforços eram no sentido de interpelar e convencer o público a aderir ao movimento."

Como os eventos aconteciam à noite, o conceito de um movimento político que lutava pela libertação dos escravos afastou os supostos perigos relacionados à presença das mulheres na vida noturna – o ambiente era familiar e tinha a presença de crianças.

Sant´anna explica que as mulheres pianistas transformaram o espetáculo em movimento político em decorrência da estratégia abolicionista: que deveria proceder de forma civilizada e dentro da ordem.

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