
Centenas de policiais civis do Paraná estão atuando há anos nas delegacias do estado sem o mínimo treinamento exigido para a atividade. Eles foram nomeados para a função, mas não concluíram o curso de formação na Escola Superior da Polícia Civil (ESPC). Oficialmente, esses agentes poderiam apenas fazer serviços administrativos, dentro dos distritos. Mas, na prática, participam de operações e investigações.
Segundo a Polícia Civil, 429 policiais nomeados após 2011 não concluíram integralmente o treinamento o equivalente a 10% do efetivo da corporação. Outros 521 agentes recém-chamados pelo governo nem sequer têm previsão de quando vão começar o curso. Juntos, os que ainda não concluíram a formação correspondem a um quinto do corpo da instituição.
"Estamos trabalhando para fornecer formação completa a esses policiais o mais rápido possível, dentro das nossas condições", garantiu o diretor da ESPC, delegado Luiz Fernando Artigas Júnior.
Módulos
Em regra, a formação está sendo feita aos poucos. Os novos policiais, na maioria dos casos, passam apenas pelos módulos de tiro e operação policial. Com isso, se habilitam a portar arma de fogo, recebem a carteira funcional e vão para as delegacias.
Lá, deveriam passar por uma espécie de estágio. Entretanto, acabam absorvidos pela rotina dos distritos. Sindicatos, policiais e delegados ouvidos pela Gazeta do Povo revelam que os agentes sem treinamento atuam como um policial formado: vão às ruas, fazem investigações, entram na escala de plantão. Alguns chegam a participar de operações que terminam com trocas de tiros com suspeitos.
"Eu só concluí o miojão [jargão usado para designar os módulos de tiro e abordagem, em alusão à curta duração dos cursos]. Na delegacia, sou um tira comum. Puxo plantão, vou pra rua. Só pedem pra eu evitar confronto [troca de tiros]", contou um policial, que ingressou na corporação no fim de 2011.
Responsáveis pelos distritos, os delegados revelam sofrer pressão para aproveitar os policiais sem treinamento. "A ordem oficial é que eles [os policiais] não poderiam realizar trabalhos externos, mas a ordem extraoficial é que eles devem, sim, trabalhar. São computados como sendo servidores em exercício pleno, para todos os fins, inclusive para cobrar mais serviço das chefias pela alta cúpula [da Polícia Civil]", disse um delegado da região de Curitiba.
Precarização
O Sindicato dos Investigadores do Paraná (Sipol) e o Sindicato das Classes Policiais Civis do Paraná (Sinclapol) dizem ter encaminhado ofícios ao governo do estado e à Polícia Civil, informando da situação irregular dos policiais sem treinamento. "Mandar um investigador sem formação para uma delegacia é precarizar a segurança pública", disse o presidente do Sipol, Roberto Ramirez. "É uma situação completamente irregular", definiu o presidente do Sinclapol, André Gutierrez.
Despreparo já resultou em tiroteio com morte
Além de não estarem preparados para a execução de trabalhos especializados como o de investigação , os agentes sem formação completa podem se ver envolvidos em situações com as quais não estão preparados para lidar. E, pelas particularidades do trabalho policial, as situações de risco não são raras. No dia 11 de maio, por exemplo, uma rebelião ocorrida na delegacia de Colombo terminou com a morte de um agente. O tiro teria sido disparado pelo investigador Diego Eleser Almeida, que não havia concluído o curso preparatório. Durante o motim, ele foi baleado de raspão.
"Segundo os informes, ele [Diego Almeida] estaria portando uma arma própria. Mas ele não poderia nem sequer estar na escala de plantão", confirmou o presidente do Sindicato dos Investigadores do Paraná (Sipol), Roberto Ramirez. "Ele não foi treinado para lidar com aquela situação. O investigador foi uma vítima da precarização. O problema é que só se fala em treinamento quando acontece uma situação como essa", completou.
Aprender fazendo
Um investigador ouvido pela reportagem diz que ficou por quase um ano apenas cuidando de presos da delegacia para onde ele foi destinado. "Me desmotivei total. Você entra querendo somar e te colocam pra ser carcereiro", desabafou. Outro policial conta que, mesmo sem curso, foi colocado na linha de frente do distrito. "Como não tinha gente, eu tive que ir para a investigação. Aprendi fazendo, observando os colegas", disse.
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