Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
obesidade

Preconceito tamanho G

Atitudes irônicas, maldosas e agressivas reforçam o sentimento de inferioridade das pessoas gordas. Discriminação vai do sutil ao escancarado

Veja uma pesquisa com a população sobre os comentários sobre gordos |
Veja uma pesquisa com a população sobre os comentários sobre gordos (Foto: )
José Eduardo dribla o preconceito levando gozações na esportiva |

1 de 1

José Eduardo dribla o preconceito levando gozações na esportiva

Ainda na entrada da loja a vendedora pergunta: "É pra você?" Tudo certo, não fosse o traço de ironia no canto dos lábios diante da moça de manequim 46. A modelo plus size Andressa Costa de Oliveira, 25 anos, já passou por isso algumas vezes. A reação depende do humor na hora, diz ela, mas é impossível ficar indiferente ao preconceito estético. Gordinha desde sempre, An­­dressa nunca encarou seu corpo como um problema. Entretanto, nem todos conseguem superar a discriminação. Atitudes irônicas, maldosas e agressivas, sejam elas de amigos ou desconhecidos, reforçam o sentimento de inferioridade dos obesos.

Não bastassem as restrições físicas próprias da obesidade, os gordos ainda são vítimas de um sutil preconceito. Sutil porque nem sempre o outro se dá conta de que sua atitude revela discriminação. Um exemplo? Considerá-los lentos, preguiçosos e obcecados por comida. No entanto, há outras formas mais evidentes. Numa cultura midiática de culto ao belo – e, nesse caso, ser belo é ser magro –, o obeso está predestinado a olhares recriminatórios, a ser visto como inferior, a ter restrições na hora de se vestir, a ter apelidos depreciativos, a ser sexualmente desinteressante.

Consulta popular realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas revela que três entre 10 curitibanos já fizeram brincadeiras ou comentários maldosos sobre gordos (leia mais nesta página). Essa é só a faceta quixotesca do preconceito se comparada a outras formas mais agressivas. Semana passada, por exemplo, uma empresa da Lapa, na região metropolitana de Curitiba, foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar indenização de R$ 5 mil à dona de casa Daiana Fernandes por tê-la discriminado. Ela foi avisada que não seria contratada por ser obesa e isso traria problemas futuros para a empresa.

Dia a dia sofrido

O cotidiano dos obesos é todo de dificuldades, inclusive nos relacionamentos amorosos e na hora de procurar emprego. Algumas empresas, a exemplo da que recusou Daiana, evitam contratar funcionários com maior probabilidade de ter problemas de saúde, entre os quais hipertensão, diabetes, doenças cardíacas e colesterol. "Tenho recebido muitas queixas de pacientes com dificuldades em arrumar emprego, pois sabem que não têm as mesmas oportunidades de trabalho, em função da discriminação por estarem acima do peso", diz a psicóloga Luciana Kotaka.

"As atividades diárias dos obesos são impregnadas de medo, por receio de virarem alvo de chacotas, causando constrangimento", diz a psicóloga. O problema pode estar em coisas consideradas simples pelos demais, como passar por uma roleta, comprar roupas, dançar ou mesmo se abaixar para amarrar o sapato. Isso tudo pode ser motivo de grande insegurança ou gerador de ansiedade. "O obeso sabe que é observado em suas condutas cotidianas e, frequentemente, ouve comentários maldosos e piadinhas de colegas ou de estranhos que estão no mesmo ambiente", observa Luciana.

"De forma geral, ouvem que são preguiçosos, sem força de vontade, o que acaba por levar a pessoa a um comportamento de engessamento, pois acaba como que acreditando que não tem força e determinação suficientes para fazer exercícios físicos, ou mesmo seguir um programa de reeducação alimentar, permanecendo estagnada e engordando cada vez mais", diz Luciana. Segundo ela, as pessoas que um dia já foram magras, que já estiveram dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade, são as que apresentam maiores sequelas, pois sentem a discriminação de forma mais acentuada.

As mulheres são mais suscetíveis, pois delas se cobra o estereótipo da mulher feminina, magra e bonita. "Nos desfiles, novelas, cinemas e publicidade, a mulher aparece sempre magra, fortalecendo esse ideal de beleza e promovendo a constante insatisfação", diz ela. Esse "ideal" permeia o cotidiano. Andressa já se sentiu constrangida num shopping ao sentar-se na praça de alimentação para comer seu Big Mac. Ao seu lado, uma ma-grela a olhava como se dissesse "eu, que sou magra, estou comendo uma salada, e você, que é gorda, está comendo isso?"

Para a psicóloga, um exercício de alteridade, colocando-se no lugar do outro, não faria nenhum mal. "As pessoas ignoram a dificuldade que é carregar um peso maior do que se pode sustentar. Não sabemos lidar de forma adequada com os obesos, e isso fica muito claro para eles, pois a mídia prega, a todo momento, que felicidade e beleza são sinônimos de um corpo magro, abalando o psicológico dos gordinhos", observa Luciana.

A psicóloga propõe pensarmos num mecanismo de retroalimentação, no qual a pessoa obesa já se sente diferente e inadequada na maioria das vezes e quando recebe mais críticas ou percebe que é excluída e estigmatizada, a comida se torna, mais uma vez, uma das únicas fontes de prazer. "A comida entra com a função de um antidepressivo ou mesmo como ansiolítico", conclui.

Baixa autoestima

Muitos obesos vivem uma perigosa ambiguidade. Levam tudo na esportiva e em público até fazem gozação consigo mesmo como forma de superar o preconceito. Mas tem hora que não dá. No escuro do quarto, a máscara de pessoa feliz desaba. A autoestima vai ao chão porque, numa análise rasteira, imputa-se ao gordo uma culpa que não lhe cabe, tomando-o como uma pessoa sem força de vontade, vulnerável à gula e à preguiça. Em síntese, é uma pessoa que não emagrece porque não quer. E o preconceito estético provoca estragos na forma de se enxergar.

"A beleza é uma questão de imagem e autoimagem, não existe, portanto, o ‘mais que’ e sim o ‘diferente de’, pois cada um tem um aspecto da beleza que o torna único", diz a psicóloga Luciana Kotaka. "Muitos se tornam introspectivos, como forma de proteção contra um mundo agressivo, podendo ficar em reclusão, evitando sair de casa, sem fazer amizade ou frequentar academia", observa. Muitos tomam antidepressivos para conseguir lidar com a realidade da discriminação.

Tendência a ser obeso se define até os 2 anos

Pesquisa americana indica que a tendência à obesidade é definida antes dos dois anos de idade. O estudo publicado na revista médica Clinical Pediatrics descobriu que mais da metade dos entrevistados já estava acima do peso antes dos dois anos. Antes dos cinco, 90% já demonstravam sinais de obesidade. Um quarto deles já estava acima do peso aos cinco meses de idade.

As razões para o ganho de peso excessivo na infância e adolescência ainda não são conhecidas, mas pesquisadores dizem que alguns fatores que contribuem para isso são dieta inadequada, introdução de alimentos a bebês muito cedo e falta de exercício. As preferências alimentares já podem estar definidas antes dos dois anos de idade e pode ser difícil modificar os hábitos das crianças mais tard

Essa é uma das razões para que a atual geração de crianças tenha uma expectativa de vida menos elevada que a dos pais, segundo a Organização Mundial da Saúde. Doenças relacionadas à obesidade atingem cada vez mais jovens e crianças, que podem sofrer de hipertensão e alguns tipos de câncer. Quarenta e três milhões de crianças em idade pré-escolar sofrem de obesidade ou sobrepeso, condição que gera riscos para a saúde ao longo de toda a vida.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.