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Parte dos técnicos diretamente ligados ao Projeto Equidade posam para fotos no pátio da Escola Municipal Omar Sabbag, no Cajuru: programa comemora um ano e festeja queda de evasão de alunos entre escolas assistidas. | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Parte dos técnicos diretamente ligados ao Projeto Equidade posam para fotos no pátio da Escola Municipal Omar Sabbag, no Cajuru: programa comemora um ano e festeja queda de evasão de alunos entre escolas assistidas.| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Em 2015, logo que a Rede Municipal de Ensino de Curitiba lançou o Projeto Equidade, dizia-se que os resultados viriam a médio e longo prazo. Os esforços não alterariam as planilhas tão cedo. A proposta mexia fundo com a cultura das escolas e das comunidades. Haveria resistências. Um ano depois, os 60 técnicos diretamente envolvidos no programa – que atinge 26 mil alunos de 48 instituições – perceberam o erro de diagnóstico e convocaram uma festa-debate, neste segunda-feira (28) para 400 educadores, na tradicional Escola Municipal Omar Sabbag, Cajuru.

Os motivos do encontro saltaram do powerpoint. Em apenas um ano de força tarefa, o “Equidade” reduziu pela metade as taxas de evasão entre as escolas participantes. Os índices de reprovação seguiram a mesma velocidade e caíram mais de dois dígitos. Apenas numa escola municipal, a “Itacelina Bittencourt”, no Guaíra, cuja clientela é quase que na totalidade oriunda da zona favelizada do bairro vizinho, o Parolin, o número de fichas “Fica” – que medem as faltas consecutivas dos alunos – despencou de 216 para 63. Qualquer um que tenha pisado numa sala de aula sabe o que esses números significam.

Como funciona

Os 48 banners instalados na segunda-feira (28) no pátio da Escola Municipal Omar Sabbag, no Cajuru, estampam a natureza do “Projeto Equidade”. Cada escola participante resumiu suas atividades extras – criadas para superar suas vulnerabilidades. O resultado é um grande catálogo de soluções simples, factíveis com o apoio de empresas instaladas nos bairros, vizinhos, comerciantes e principalmente pais dos alunos.

Os números ainda não são conclusivos, mas um dos melhores resultados do “Equidade” reside em ultrapassar uma dificuldade crônica – a participação dos familiares no cotidiano da escola. A baixa escolaridade dos chefes de família é uma determinante: pai e mãe se sentem alheios às dificuldades dos filhos, porque viveram experiências escolares curtas e, não raro, desinteressantes. Cativar é preciso.

Nesse quesito, o programa vai ter muito a ensinar – inclusive às instituições particulares. Pode-se dizer que as escolas estão saindo da zona de reclamação para a da criação. E não só na aproximação dos pais. Uma das regras de ouro é “ganhar” a comunidade ou grandes parceiros. A E. M. Ayrton Senna, cuja clientela vem do paupérrimo Jardim Acrópole, no Cajuru, tem entre seus colaboradores os técnicos do Paço Municipal. O momento cultural, aliás, é uma constante nas instituições – há evidências de que o desempenho das crianças e adolescentes melhora com a ida ao teatro, cinema e eventos literários.

Não por menos, o Projeto Equidade virou um fato novo nos círculos educacionais. Parte de sua fama vem do custo baixo, calcado em mobilização de recursos humanos e melhoras nas relações com a comunidade. Antes mesmo de os resultados virem a público, técnicos da Finlândia – país estudado no livro As crianças mais inteligentes do mundo – e como elas chegaram lá, da jornalista norte-americana Amanda Ripley – vieram a Curitiba para saber do que se tratava. Nesta segunda – durante a apresentação dos primeiros dados à comunidade – dois cônsules da Suíça ocupavam a primeira fileira, no papel de candidatos a fazer uma parceria.

A proposta desperta interesse em outras redes municipais e estaduais, deve ser figurinha fácil em estudos de pós-graduação, mas nada causa mais surpresa do que a adesão dos educadores participantes. “Quando a gente ficou sabendo da proposta, dizia: ‘Ih, lá vem mais trabalho’”, brincou o professor Valdinei de Jesus Rocha, diretor da E.M. Sady Souza, no Sítio Cercado, ao apresentar no evento a reviravolta sofrida pela escola onde trabalha, no último ano. O próprio “núcleo duro” do programa se pergunta as razões de tamanha cumplicidade – e arrisca hipóteses.

A primeira reside na exploração da palavra “equidade” – que, grosso modo, significa uma soma de atenções dadas aos mais vulneráveis para que possam competir em igualdade de direitos. Na prática, implica em mais professores, reforço escolar, atividades culturais e relações com a comunidade. Na teoria, a expressão faz muita gente empacar. À maneira de que fazem os organismos internacionais ligados a meio ambiente – quando querem firmar um conceito junto às bases – os organizadores do programa dissecaram o termo com os educadores, até não restarem dúvidas.

Usaram de contação de histórias, dinâmicas de grupos, núcleos de estudos e discussões acaloradas, especialidade da categoria. Foi um chacoalhão. A charge em que um macaco, uma girafa, um leão e um elefante são desafiados a subir numa árvore – caricatura perfeita para escancarar o ridículo de competições estimuladas no ambiente educacional – correu desktops, celulares e as salas de cafezinho. Quando foi dada largada ao projeto, o verbete restrito ao Direito, às políticas afirmativas e de reparação promovidas pelos movimentos sociais e a biblistas já andava nas bocas.

Rodadas

Essas rodadas de debates ajudaram no engajamento dos professores, mas não explicam tudo. Embora não haja ainda um consenso, parte dos êxitos do Projeto Equidade nasceram de uma ironia: duas insatisfações dos servidores da rede municipal de ensino foram capitalizadas, provocando efeito contrário, colaborando para que o programa não se convertesse em mais um calhamaço de boas intenções atirado às gavetas. A primeira insatisfação se refere ao crescente fetiche da gestão educacional por estatísticas, cada vez mais esbanjadas; a segunda é a fixação pelos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – o Ideb –, cujos resultados aproximam o ambiente escolar de uma corrida de cavalos.

Em resumo, o “Equidade” seguiu a onda e se nutriu de um banco de dados espetacular gerado pelo estatístico Leandro Jiomeke, hoje uma unanimidade entre os educadores mesmo sem cultuar Piaget, Paulo Freire ou Dermeval Saviani. Ele produziu uma cartografia diferente para cada uma das 48 escolas e seus entornos, resultado de um engenhoso cruzamento de informações, educacionais ou não.

As tabelas de Leandro permitem enxergar em minúcias o que os diretores apenas farejavam – o grau de escolaridade dos pais de alunos de escolas mais vulneráveis, índices de informalidade no trabalho e quantos pequenos em cada um desses colégios são assistidos pelo Bolsa Família. Na média das instituições participantes do “Equidade”, a média de beneficiados ultrapassa 60% – seis a cada dez crianças estão na linha da pobreza.

O princípio do cuidado

A educadora Eliane Regina Titon Hotz – que acaba de assumir a coordenação do Projeto Equidade – tem 27 anos de rede municipal de ensino e é oriunda da educação especial. Com larga experiência na gestão de projetos educacionais, ele tem no currículo a implantação de programas para alunos de alta dotação, na prefeitura, hoje uma referência.

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“O segredo foi ter usado esses dados como um meio para entender as escolas, não como um resultado final, sobre o qual não há nada a fazer”, explica a pedagoga Eliane Regina Titon Hotz, que agora divide a gestão do projeto com a educadora Letícia Mara de Meira. Quanto à segunda ironia, muitos podem não acreditar, mas causam mal-estar os fogos de artifício em torno do desempenho olímpico de Curitiba. Das 15 escolas brasileiras mais bem avaliadas pelo índice, 5 são da rede municipal.

O desejo dos educadores de zonas menos privilegiadas era que se reconhecesse que muitas escolas com notas abaixo de “seis” faziam das tripas coração para atingir esses resultados. O maniqueísmo da “melhor” e da “pior” não fala a língua dos educadores. Ao crescer 3-4 décimos, uma mal-avaliada estava mandando um sinal de fumaça: com um empurrãozinho, poderiam ir mais longe. Ao entender isso, o Projeto Equidade ganhou a adesão de centenas de educadores, muitos deles descontentes com a arrogância meritocrática promovida pelo Ideb. Deram o troco.

  • Parte da equipe técnica que trabalha diretamente no Projeto Equidade, da Rede Municipal de Ensino. Há um núcleo duro de 14 profissionais e cerca de 60, no total, envolvidos com o programa.
  • As 48 escolas do Projeto Equidade ganharam professores para o quadro, contraturnos e eventos culturais.
  • Professores acompanham exposição de banners com relatos das escolas participantes do Projeto Equidade.
  • Cerca de 400 professores participaram do evento que marcou um ano do projeto. Em breve, seminário vai promover relato de experiências dos professores e da comunidade escolar.
  • O prefeito Gustavo Fruet falou aos professores da rede.
  • Professora faz relato de experiência para os colegas - diminuição de evasão e repetência é comemorada.
  • Fruet com grupo de atletas miris da Escola Municipal Prefeito Omar Sabbag.
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