As 21 cidades do interior e da Grande São Paulo em situação de emergência, ou seja, as mais atingidas pela chuva e pelos deslizamentos de terra que marcaram o fim de 2009 e o início de 2010, ainda enfrentam lama, alagamentos e interdições de estradas. Algumas estão isoladas. O G1 visitou dez destes municípios. Atibaia tem pescaria em alameda urbana e Bofete tem trilha no lugar de ponte.
Entre o dia 1º e a sexta-feira (15), o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de São Paulo contava 52 restrições ou interdições de pista em 31 cidades paulistas. Na semana passada, a Sabesp alertava municípios do sistema Cantareira sobre o risco de transbordamento de suas represas.
Em São Luiz do Paraitinga e Cunha, que decretaram estado de calamidade pública após as chuvas de 1º de janeiro, o clima é de reconstrução. Mas vai demorar para que elas consigam se reeguer. O centro de São Luiz é dominado pelo barulho de dezenas de máquinas de lavar a jato e caminhões para coleta de 120 toneladas de lixo por dia, levadas para fora da cidade e depois transportadas para um aterro em Tremembé.
A cidade coberta pela água do Rio Paraitinga no dia 1º de janeiro está em estado de calamidade pública."Têm albuns de casamento, histórias de famílias inteiras, mas aqui ninguém mexe porque o material está contaminado", disse Roberto Galvão, diretor de logística que comanda o transporte dos resíduos de São Luiz.
Preocupado com a perda de relíquias históricas entre os escombros da igreja de Nossa Senhora das Mercês, o voluntário Antonio Carlos Donega Filho, morador em Campinas, pediu licença do trabalho e há 15 dias separa cuidadosamente cada item do prédio - telhas, tijolos, vitrais e até traves do telhado. "Para mim é uma operação SOS. Quero resgatar o maior número possível de coisas", afirmou.
Agora que reconstruiu 50 das cerca das 400 pontes de madeira perdidas na enchente, Cunha tenta obter caminhões para transportar cestas básicas para famílias ainda isoladas na área rural, que abriga metade da população da cidade. "Precisamos eliminar barreiras e fazer pontes", disse o vice-prefeito José Ludgero, que contabiliza 2,8 mil quilômetros de estradas rurais afetadas.
De acordo com ele, os produtores de leite ainda perdem cerca de 25 mil litros do produto por dia por causa do isolamento. As pousadas da cidade correm o risco de ficar às moscas por falta de turistas. Operários do Departamento de Estradas de Rodagem trabalhavam na terça na reconstrução da ponte da rodovia SP-171 sobre o Rio Jacuizinho, principal ligação da cidade com os municípios vizinhos.
Surreal
Na quarta-feira, moradores de Atibaia ainda pescavam lambaris e tilápias em plena alameda Brasília, perpendicular ao Rio Atibaia, que corre fora das margens, invade ruas e até um campo de futebol na cidade. Maria Aparecida Ramos, moradora na Rua Sofia, chegou a ver peixe dentro de casa, uma pousada com seis suítes. Ela teve que sair do local e mudar para a casa de parentes desde 11 de dezembro. "Minha neta, Milena, me pergunta toda hora se vai chover. Está traumatizada", disse ela.
Gestor de uma propriedade à margem da represa de Nazaré Paulista, Altino Souza Ramos, de 73 anos, morador na região desde que nasceu, afirma que as margens do reservatório avançaram 30 metros nos últimos dias. Ele prevê que moradores como Maria Aparecida podem sofrer muito mais caso a represa extravase. "Se não abrir a comporta, estoura. Se estourar, acaba com Atibaia e Bom Jesus dos Perdões", disse ele.
A chuva que provocou quatro mortes em uma das entradas de Guararema, também fechou desde 1º de janeiro a principal via de acesso à cidade. Na quarta-feira, cerca de 15 operários ainda trabalhavam para cortar eucaliptos do Morro Branco, que deslizou sobre a Rua João Barbosa de Oliveira. A cidade ainda tem 50 desabrigados e 97 imóveis interditados. Pontes foram levadas também em Lourdes, Mirassol e Santo Antonio do Pinhal.
Em Bofete, onde os moradores chegaram a improvisar uma escada para cruzar de um lado para outro da cidade, a reconstrução da ponte original vai demorar pelo menos três meses e, enquanto isso, pessoas, cavalos e motos cruzam o rio por uma passarela improvisada pela prefeitura.
"Ando quatro quilômetros até chegar em casa", disse a artesã Giovana Maria Ramos. A filha dela, Julia, de 11 anos, prevê dificuldades quando voltar a estudar. "Vamos ter que dar a volta pela Fofura", antes de explicar que "Fofura" é uma estrada local.
A prefeitura finca estacas de madeira na borda do rio para improvisar uma ponte para carros leves. "Não vai dar certo", disse Alfredo Luiz da Silva, que puxa um carrinho com gasolina e ração. "Meu carro está do outro lado. De lá eu vou para casa", disse ele.
Cidade vizinha a Bofete, Pardinho também sofre com a interdição parcial da ligação da cidada com a Rodovia Castello Branco, depois dos delizamentros na estrada João Emílio Roder. Para acessar a estrada, é preciso passar por trás de um posto de gasolina e atravessar um bloqueio que elimina carros largos. Há trechos da estrada em que os degraus no asfalto provocados pelas rachaduras atingem meio metro.
A principal ponte da cidade, sobre o rio Pardinho, também tem um buraco de pelo menos dois metros de largura por toda a extensão. "Atrapalha para caramba, temos que andar bastante''', disse o morador da cidade, Marcos Paulo Antunes da Silva.
Em São Lourenço da Serra, os transtornos são visíveis. Moradores do centro ainda têm casas e estabelecimentos interditados por causa das cheias. Roberto Cota Fernandes mostra a oficina mecânica e cinco carros sob lama. "Estou há dez dias parado para deixar secar os motores", afirmou. "No dia 8, encheu tudo e hoje (15) encheu só metade", disse a dona de casa Vilma Ferreira de Araujo.
Outras cidades
Com 221 famílias em abrigos e 205 casas condenadas pela Defesa Civil após as enchentes de 8, 17 e 27 de dezembro, Capivari comprou uma usina de asfalto para recuperar a cidade. As cheias do rio que dá nome ao município provocaram o transbordamento de cinco reservatórios e afetaram temporariamente 3,5 mil moradias. A cidade ainda sofre com a perda da ponte em sua principal via de acesso.
Atingida pelas chuvas de 17 de dezembro, Caiuá perdeu sua principal ponte sobre o Córrego do Veado e boa parte das estradas rurais que cortam o município estão intransitáveis. A situação dificulta o escoamento da produção de oito assentamentos rurais e o tráfego de ambulâncias. De acordo com a prefeitura, na volta às aulas, o problema pode afetar o transporte de alunos.
No dia 31 de dezembro, um temporal fez com que o nível do Ribeirão Colossinho aumentasse e alagasse ao menos 20 casas em Chavantes. Segundo a prefeitura, cerca de 100 moradores do distrito de Irapé ficaram desabrigados. A maior parte dessas pessoas está abrigada em casa de parentes. A prefeitura faz obras para criação de curvas de nível em estradas vicinais e a destruição de duas pontes para aumentar o fluxo do ribeirão. De acordo com a prefeitura, a mobilidade não foi afetada com o fim das pontes, já que há outras passagens sobre o curso dágua.
Em Inúbia Paulista, no início de janeiro, a chuva causou o transbordamento de uma represa pertencente a uma fazenda. A enxurrada, então, destruiu uma ponte da estrada que liga o município a Salmourão. "Três fazendas ficaram ilhadas. Pelo menos 30 famílias, com 100 pessoas, ficaram isoladas", afirmou o chefe de gabinete da prefeitura, Valdecir Alves Moreira.
Para garantir o acesso dessas pessoas ao centro da cidade foram construídos caminhos entre propriedades rurais. Para médio prazo, a prefeitura anunciou a reconstrução da ponte, orçada em R$ 200 mil, segundo Moreira.
A zona rural de Oscar Bressane sofre desde o dia 8 de dezembro as consequências dos temporais. Segundo a prefeitura, os dois principais córregos da cidade, Água da Mombuca e Água da Panela, transbordaram e destruíram seis pontes, sendo duas delas de concreto e as restantes, de madeira. Passarelas foram improvisadas para garantir a mobilidade dos moradores. Para a reconstrução, o município estima que serão gastos R$ 800 mil.
Em Presidente Venceslau os prejuízos ficaram restritos às vias que cortam a cidade. Segundo a administração municipal, a chuva que atinge a cidade desde o fim de dezembro causou buracos em diversas ruas. Além do recapeamento, há a necessidade de modernização das galerias pluviais, que estão defasadas.
O prefeito de Getulina, Manoel Rogério Miotello afirma que a cidade já passou pela fase mais grave após a chuva do final do ano. De acordo com ele,14 famílias foram atingidas, mas não chegaram a perder suas casas. O temporal derrubou os muros do cemitério e do campo de futebol, mas a reconstrução depende de uma licitação.
A chuva de 29 de dezembro em Lourdes afetou dez moradias, derrubou o alambrado do principal centro de lazer da cidade, interditou três pontes, das quais uma caiu, e afetou 15 estradas locais. O prefeito da cidade rural de 3 mil habitantes está em busca de recursos para recuperação, de acordo com o diretor administrativo da prefeitura, Alan Carlos Garcia.
O tempo chuvoso neste início de ano dificulta o trabalho de recuperação em Manduri. Com a principal ponte da cidade interditada após as chuvas de 8 de dezembro, o acesso à cidade vizinha de Água de Santa Bárbara exige um contorno de 50 km. O caminho torna mais difícil a rotina de cerca de 200 moradores que trabalham em Águas de Santa Bárbara. De acordo com o chefe de gabinete da prefeitura, Carlos Alberto Barlati, o município não tem recursos para arcar com as obras de recuperação.
A velha ponte de Mirassol foi arrastada pela água do Rio Piedade na chuva de 24 de dezembro e desde então cerca de 18 mil moradores de oito bairros são obrigados a dar a volta na cidade para atravessar de um lado para outro. O rio ameaça subir a cada nova chuva e cidade prevê necessidade de investimentos de até R$ 10 milhões na recuperação.
Recuperada da chuva de 21 de dezembro que levaram duas pontes da cidade,Santo Antônio do Pinhal tenta atrair turistas que se afastaram da cidade após a decretação da situação de emergência. "Fizemos uma ponte provisória e caminhamos para a construção de uma nova ponte. Os problemas foram em bairros afastados e decretamos estado de emergência para facilitar a reconstrução. Temos plena condição de receber turistas", afirmou Alex Ferreira, chefe de gabinete da prefeitura local, que confirmou a realização do carnaval na cidade da Serra da Mantiqueira.
Sumaré decretou situação de emergência em 15 de dezembro após a forte chuva que atingiu a cidade, mas voltou a ser alvo do mau tempo na virada do ano. De acordo com a prefeitura, há necessidade de recuperação do asfalto e da estrutura de pontes em vários bairros. A cidade foi atingida ainda por um vendaval que derrubou dezenas de árvores, danificou carros, quebrou a torre de rádio da Guarda Civil Municipal e destelhou o prédio do Departamento de Água e Esgoto.
Grande São Paulo
Atingida pela chuva de 8 de dezembro, Caieiras busca recursos do governo federal para desassorear o rio Juqueri. A principal avenida e o centro comercial da cidade ficam paralelos ao rio que transborda e atinge o comércio. A orquestra da cidade perdeu instrumentos.
Em Franco da Rocha, vizinha a Caieiras, a principal preocupação é com o nível das represas do sistema Cantareira. A cidade decretou estado de emergência após chuvas de 8 de dezembro que provocaram prejuízo para os comerciantes, mas segundo a prefeitura já voltou à normalidade.
A chuva de 16 de dezembro deixou temporariamente desalojadas 800 famílias dos bairros Rochdale, Baronesa, Bonanza e Santa Rita, em Osasco. Destas, segundo a prefeitura, 300 perderam tudo, mas foram parcialmente atendidas por meio de uma campanha para arrecadação de eletrodomésticos.
Santo André decretou estado de emergência nas áreas dos assentamentos urbanos Jardim Santo André, Jardim Irene e Recreio da Borda do Campo, por causa da chuva de 8 de dezembro. Mais de 2 mil famílias vivem em áreas de risco nestes locais. A prefeitura informou que estuda a realização de um convênio com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano para tratar destes casos. A Defesa Civil realiza vistoria e interdita imóveis na medida em que constata risco iminente de deslizamentos de terra.



