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Expedição Paraná

Raízes de uma Ucrânia brasileira

Prudentópolis pode ser considerada uma das cidades de maior potencial turístico do Paraná. Por trás das plantações de feijão, milho e fumo, escondem-se surpreendentes cânions que descortinam quedas d’águas de mais de cem saltos, metade deles de grande porte. Isso explica por que o município ganhou o título de Terra das Cachoeiras Gigantes. O maior exemplo é o Salto São Francisco, com 196 metros de altura, o mais alto do Sul do Brasil. Não bastasse as volumosas cachoeiras, a origem de Prudentópolis também faz da cidade um lugar único e especial. Quase 75% da população é formada por descendentes de ucranianos, que mantêm vivas as tradições, os costumes religiosos, a língua e o folclore de seus antepassados.

Os pioneiros da cidade chegaram em 1895, quando o então presidente da República, Prudente de Moraes, assinou um acordo com o governo da Ucrânia prometendo pagar com terras os imigrantes que viessem trabalhar na implantação das linhas telegráficas. Em busca de melhores condições de vida, um grande número de ucranianos aceitou a oferta e mudou-se para o Brasil, a maior parte para o Paraná. "Nos primeiros tempos, a vida era difícil. O lugar destinado aos forasteiros não passava de mata virgem. Os trabalhadores ficavam acampados com suas famílias em barracos de madeira e muitos deles não suportaram as adversidades, como as diferenças climáticas, a falta de estrutura e o trabalho praticamente escravo. Com esforço, porém, eles venceram, se adaptaram à nova terra, mas jamais abdicaram de suas raízes", conta Mieroslawa Krevei, diretora do museu de Prudentópolis.

Para manter viva a cultura ucraniana, a comunidade conta com três fundamentos básicos: a educação familiar, a prática religiosa e o papel da imprensa local. A professora Nádia Museka, membro do Instituto Secular, trabalha há mais de 40 anos na educação das crianças de Prudentópolis. "Todos os sábados realizamos catequese com aulas de canto, dança e língua ucraniana, principalmente nas paróquias do interior." Tanta devoção está presente no grande número de igrejas: são mais de 30 com cúpulas prateadas e 100 junto a outras religiões. O resultado é mais um título pra a Prudentópolis: Capital da Oração. Na mais famosa de todas, a Igreja de São Josafat, chama a atenção uma parede recoberta de pinturas em estilo bizantino, conhecida por Ikonostás, que serve para separar o santuário da nave dos fiéis.

Outro grande suporte da cultura ucraniana, desde o tempo da colonização, é o jornal Prácia. Fundado em 1911, pelos padres Basilianos, o jornal era preparado totalmente de forma manual, letra por letra com tipos importados da Europa. Em 1954 a tipografia adquiriu uma linotipo que serviu para compor os caracteres até o começo dos anos 90. "A publicação era escrita em ucraniano e contava com notícias políticas, culturais, além de mostrar informações importantes da Ucrânia para o imigrante", conta a secretária Nadir Julek. Atualmente, o local se transformou numa gráfica off-set que elabora diversos produtos para a comunidade local, inclusive o jornal Prácia, só que agora de maneira mais moderna e traduzido.

Em Prudentópolis, o dia-a-dia de um passado distante ainda pode ser encontrado percorrendo o interior da cidade, onde predomina o forte sotaque estrangeiro dos ucraínos. A ex-lavradora Luísa Prustal, 71, mora há mais de 30 anos na região dos Saltos São Sebastião e Mlot. "Aqui não temos energia elétrica e quando chove forte, a água desce o morro inundando toda a casa." Em compensação, Luiza é privilegiada por estar na boca de duas cachoeiras bem peculiares. Cerca de 120 metros de queda livre cada uma, elas despencam no mesmo cânion, uma de frente para outra. A trilha para chegar até a base é um pouco complicada, obrigando o visitante a ter um bom preparo físico. Porém, o cenário que se deslumbra lá em baixo é impressionante, com a água caindo dos dois lados do paredão.

Uma tradição reconhecida e muito valorizada no exterior é a cultura das pêssankas. Normalmente os ovos são pintados na última semana da Quaresma e levados à igreja no Domingo de Páscoa, para serem abençoados. Só então são presenteados às pessoas amigas. Com o crescimento do turismo na região, muita gente de Prudentópolis sobrevive com a venda de pêssankas durante o ano todo. "Trabalhei muito tempo como caminhoneiro de uma transportadora. Quando fiquei desempregado, aprendi a pintar com minha esposa. Demorei seis meses para fazer a primeira pêssanka boa para vender", conta João Barbosa dos Santos.

Depois de quatro anos trabalhando apenas com a pintura de ovos, João chega a produzir 20 pêssankas por mês. "Vendo cada ovo entre R$ 15 a R$ 30. Os de avestruz, maiores e cheios de detalhes, costumo cobrar R$ 120." Pintada à mão há mais de dois mil anos, a pêssanka é um presente mágico, um talismã para brindar a sorte, a felicidade e o amor entre as pessoas.

Diferente das pêssankas, o principal expoente da cultura ucraniana de Prudentópolis sofre com a falta de reconhecimento e descaso do poder público. O Grupo Folclórico Vesselka, considerado um dos mais importantes e premiados do país, conta apenas com a força de vontade dos jovens dançarinos que dedicam horas livres, às vezes diárias, para exaustivos ensaios e reuniões. "Como qualquer grupo, temos custos com material, roupas, transporte, etc. Mesmo sendo uma atração turística e cultural de Prudentópolis, não contamos com o apoio da prefeitura", desabafa Luis Xavier, presidente do Vesselka. O mesmo ocorre com o Grupo de Banduristas Sloveiko, que toca músicas com a bandura, um instrumento típico ucraniano de 55 cordas. "Procuramos fazer bingos e chás beneficentes para pelo menos pagar nossas dívidas", conta a professora do grupo Cecília Strechar.

O folclore de Prudentópolis é um patrimônio cultural da comunidade ucraniana-brasileira, que atrai pessoas de várias regiões do país em busca da beleza e originalidade dessas tradições. Além disso, são os principais divulgadores do município em festivais e eventos Brasil afora. É incompreensível para uma cidade que enxerga o turismo como um grande potencial não voltar os olhos a esses costumes que ainda resistem graças à história de luta dos imigrantes, que trabalharam muito para não esquecerem suas raízes.

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