• Carregando...
 | Reprodução/
| Foto: Reprodução/

A polêmica da vez é o processo do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) contra a nova campanha publicitária do banco Itaú Unibanco, chamada “Digitau”, em resposta à reclamação de 15 consumidores de que crianças poderiam ser induzidas a erro de ortografia em relação à palavra “digital”. A reação dos consumidores reacende a discussão sobre os usos da língua portuguesa e o desenvolvimento de competências textuais-discursivas.

Na avaliação de Angela Gusso, doutora em Linguística e professora da PUCPR, trata-se de preciosismo desnecessário. ”A propaganda faz o que chamamos de cruzamento vocabular, um recurso típico da linguagem publicitária. É um recurso inteligente, que provoca a associação de ideias. A criança vai ler a grafia ‘digitau’ e vai perceber que se trata de um jogo de palavras. Esse exercício de interpretação e de percepção dos diferentes usos linguísticos também é aprendizado”, explica.

Trocadilhos

Em artigo publicado no Congresso Nacional de Linguagens em Interação, o professor de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Manoel Messias Alves da Silva explica que “a criação de cruzamentos vocabulares pode ser explicada pela necessidade de adquirir representações da realidade, por meio de crenças e ideologias, para consolidar sua identidade e facilitar a ação conjunta por meio do discurso.”

Outros exemplos de cruzamentos vocabulares que sugerem novas representações de dada realidade e humor são: aborrecente (adolescente); namorido (namorado + marido) e paitrocínio (patrocínio).

A pedagoga e doutora em Educação Evelise Portilho, também da PUCPR, concorda. Ela lembra que a grafia é maleável, principalmente quando se trata de nomes próprios, sejam de pessoas ou empresas, como é o caso do Itaú. “O banco fez uma brincadeira bastante criativa com o nome da empresa. Crianças e mesmo adultos pouco familiarizados com o recurso têm plena capacidade de compreender a mensagem de que aquele ‘digitau’ é o serviço oferecido pelo banco”, avalia.

Para Evelise, a propaganda ainda traz um bom exemplo de sonoridade da língua portuguesa. “Nossa língua tem esse aspecto forte da sonoridade – temos mal e mau; s com som de z; cedilha com som de c. Eu usaria essa propaganda em sala de aula para trabalhar sons semelhantes e grafias diferentes.”

Língua é diferente de escrita

Outro ponto levantado pelas especialistas está relacionado com as possibilidades diversas da linguagem e da própria língua. Angela explica que a língua é um organismo vivo, que sofre variação no tempo, nos espaços geográficos e nos grupos sociais; já a escrita é regida por normas ortográficas.

Para onde caminha a língua portuguesa?

Para especialistas, conhecer as diferenças entre a norma gramatical e a usada coloquialmente, como a falta de concordância exemplificada no livro didático, está longe de ser um pecado no ensino. Pelo contrário. Esse conhecimento, quando bem empregado em aula, é ferramenta para reverter os resultados fracos obtidos pelos estudantes em diversas avaliações.

Leia a matéria completa

“A língua é um mosaico de falares distintos, já a escrita está sujeita a normas. Não podemos confundi-las. Para efeitos de comunicação, a ortografia é importante em documentos oficiais, imprensa, literatura. Mas o mundo desenvolveu outras formas e suportes de comunicação que não exigem normas ortográficas para cumprir a função de comunicar, como vemos na internet e na publicidade.”

A linguista explica que mesmo para uma criança em fase de alfabetização o contato com novos códigos, com abreviações e substituições, não é problemático. Pelo contrário, desenvolve a capacidade de percepção e interpretação textual-discursiva. “Problemático é não praticar todas as formas de usos linguísticos. É preciso saber como e quando utilizar as normas ortográficas.”

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]