De cada dez transplantes de córnea realizados no Paraná no ano passado, oito ocorreram na rede privada de saúde. Os números indicam que o sistema de atendimento de oftalmologia está privando o benefício dos pacientes de baixa renda. Não se trata de desrespeito à fila, assegura o representante do Conselho Brasileiro de Oftalmologia na Câmara Técnica do Ministério da Saúde, Hamilton Moreira. O acesso acaba privilegiado para quem tem condições de pagar pelo atendimento médico e é encaminhado mais rapidamente para a cirurgia. Pessoas carentes acabam nem entrando na fila.
"Tenta conseguir uma consulta de oftalmologia pelo SUS", provoca o médico. O Ministério Público de Ponta Grossa, por exemplo, investiga o fato da espera por consultas oftalmológicas demorar mais de um ano e meio. Moreira reforça que poucos médicos atendem pelo SUS, mas acredita que também não é aceitável restringir o acesso dos pacientes particulares. "Seria uma forma de segregação", aponta. A saída é melhorar o sistema público para que todos tenham a possibilidade de ser beneficiados pela doação de córneas, independente da renda.
Quem mais sofre na fila do transplante de córnea são as pessoas carentes e as que residem nas menores cidades, pelas várias dificuldades de acesso aos grandes centros. Todos estes entraves, de acordo com o oftalmologista, dificultam o agendamento de consultas, exames, entre outros procedimentos. Historicamente, por não representar um grande retorno financeiro para os gerenciadores da saúde, o transplante de córnea na maioria das vezes é colocado em segundo plano. São pacientes que não geram grandes despesas enquanto aguardam a cirurgia.
O sistema de transplantes de córneas está sendo reestruturado no Brasil desde 2002. Uma série de medidas adotadas pelo Ministério da Saúde suspendeu a organização anterior. Com isso, os bancos de olhos que não estavam vinculados a hospitais foram descredenciados. Essa lacuna de quatro anos contribuiu para fazer o tempo de espera pelo transplantes saltar de menos de seis meses para mais de um ano e meio no Paraná. Nesse tempo, a demanda só aumentou, fazendo a fila se arrastar.
Curitiba passou a ser, entre as grandes capitais brasileiras, a que menos capta córnea para fins de transplantes. Há alguns anos, relembra Moreira, a cidade chegava a enviar córneas para outros grandes centros, como é o caso de Porto Alegre. Hoje em dia, enquanto a fila de espera é superior a 14 meses na capital paranaense, dura cerca de seis a oito meses nas demais capitais. O Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná foi credenciado pelo SUS em março para reestabelecer o Banco de Tecidos Oculares. Além do HC, somente um hospital particular de Cascavel realiza cirurgias pelo sistema público no estado e o Hospital Universitário de Londrina está em fase final de habilitação.
Um convênio entre o HC e o governo estadual pode reverter esse quadro de desfavorecimento ao sistema público. Cerca de R$ 100 mil serão investidos na compra de equipamentos e na composição de equipes de abordagem de familiares de potenciais doadores. Se os familiares de apenas 1% das pessoas que morrem no Paraná autorizassem a doação das córneas, a fila seria reduzida a zero em apenas um ano. Atualmente, 1.337 doentes aguardam transplante de córneas no Paraná. Nos últimos cinco anos, o número se mantém na casa de 450 cirurgias anuais.
A retirada de córnea é um processo muito simples não requer ambiente hospitalar e pode ser feita até 12 horas após o falecimento. Ao contrário do que acontece com órgãos como coração e rim, o doador não precisa ter sido vítima de morte encefálica.
A Secretaria de Estado de Saúde informou que os responsáveis pela Central de Transplante do Paraná estavam viajando e não poderiam prestar esclarecimentos sobre o caso.



