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Quem são os conselheiros

Pesquisa de mestrado realizada em 2005 pelo assistente social Dorival da Costa concluiu que as pessoas escolhem trabalhar nos Conselhos Tutelares mais por causa de uma perspectiva de emprego do que por uma luta ideológica ou porque pretendem prestar um serviço relevante. Ele coletou informações de 1.435 conselheiros. Jussara da Silva Gouveia, conselheira por três vezes em mandatos alternados, discorda dos resultados. "Isso não é um emprego, é uma missão", resume. Segundo ela, 80% dos 45 conselheiros de Curitiba concluiu ou está cursando o terceiro grau.

À época do levantamento de Costa, o perfil dos conselheiros da capital seguia a média do estado: dois terços de mulheres, com idade entre 25 e 42 anos, moradoras da mesma região há mais de uma década. A proporção mudaria na eleição de 2006, quando 80% das vagas (36 das 45) foram preenchidas por mulheres em Curitiba.

Sobre as ocupações anteriores, Costa apurou que 18% dos conselheiros tutelares do Paraná trabalhavam em organizações não-governamentais, 17% com ensino fundamental e 14% com educação infantil – o restante trabalhava em áreas diversas ligadas à criança e ao adolescente. Em relação à escolaridade, 61% haviam concluído o ensino fundamental, 23% possuíam formação superior e 5% disseram ter pós-graduação. A remuneração da maioria fica bem abaixo do subsídio pago em Curitiba: 92% recebiam salário mínimo.

Ano passado, Jussara da Silva Gouveia ficou paralisada diante da plateia de 8 anos de idade numa escola de Curitiba. Ao testar a opinião da turma sobre o Conselho Tutelar, ouviu quase em uníssono a lenda do Velho do Saco, sujeito aterrador que pega crianças na rua. Daria para levar na esportiva, não fosse a triste constatação de que os pais associam os conselheiros à aterradora figura mítica para amedrontar filhos arteiros. Assim, a ignorância e a preguiça de me­­lhor saber fizeram da organização civil criada para zelar pelos direitos das crianças um reduto de bichos-papões. Trabalhar com esse estigma, só com muita boa vontade.

A despeito dos dissabores do cargo, 162 pessoas se candidataram a uma das 45 vagas de conselheiro tutelar em Curitiba. Toda pessoa com domicílio eleitoral na capital poderá votar na eleição de 25 de outubro, assim como faz para escolher vereador, prefeito, deputado, governador, presidente. Mas, apesar de os conselheiros estarem cada vez mais presentes na vida e até nas casas das pessoas, zelando pelos direitos de crianças e adolescentes, é no mínimo curioso perceber que a sociedade não está assim tão interessada, em sua maioria, em contribuir para eleger pessoas capacitadas para desempenhar essa função.

A primeira eleição para conselheiro em Curitiba, em 1997, teve 10.651 eleitores. Subiu para 18.541 em 2000, passou para 35.908 em 2003, mas caiu 36% e fechou a eleição de 2006 em 23.457 votos. O número de candidatos também vai mal. Os 169 concorrentes do último pleito, que já eram 40% menos do que no anterior, foram reduzidos a 120 com as impugnações de quem não cumpriu as exigências mínimas. Os atuais 162 concorrentes ainda estão sujeitos a impugnações, mas sem os descontos são 3,6 candidatos por vaga, muito abaixo do interesse por cargos políticos. Ano passado, Curitiba teve 1.472 candidatos a vereador, ou 38 por vaga.Por que tanto interesse por um cargo e menos por outro, já que em ambos os postulantes se declaram preocupados com o bem comum? Pesa em favor de um deles o salário quatro vezes maior, as mordomias, o poder político. Mas não só. "É mais fácil ser candidato a vereador do que a conselheiro tutelar", diz Anderson da Costa Oliveira, do Conselho Tutelar do Portão. À lógica: para se candidatar a vereador basta ser alfabetizado e pertencer a um partido político. Para ser candidato a conselheiro tutelar, em Curitiba, é preciso experiência de três anos no atendimento a crianças e adolescentes, conhecer as leis sobre o tema e participar de curso de capacitação.

Outras cidades do Paraná adotam critérios ainda mais rígidos. Em Maringá e Araucária, os postulantes ao cargo precisam ter ensino superior. Já em Morretes e São José dos Pinhais, precisam fazer uma prova. Tanto zelo se deve ao fato de não serem poucas as atribuições do cargo. "No imaginário popular, tudo acaba no Conselho Tutelar", diz Jussara, conselheira na Regional do Pinheirinho.

Cabe a eles zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, requisitar os serviços públicos para atendê-los, enviar denúncias ao Ministério Público e ao Judiciário, ajudar a prefeitura a elaborar proposta orçamentária para planos e programas de atenção aos direitos dos jovens, notificar à polícia casos e violência, retirá-los do convívio do agressor e encaminhá-los para programas de proteção. Se esses programas não existirem ou forem insuficientes, é dever dos conselheiros exigir que sejam criados ou melhorados para atender às necessidades de meninos e meninas.

No voto

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece as regras básicas de funcionamento dos Conselhos e das eleições, mas cada município tem lei específica. O mandato de conselheiro é de três anos, permitida uma reeleição. As condições básicas para se candidatar são idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residir no município. Em Curitiba, lei municipal estabelece a escolha por eleição direta, com sufrágio universal, voto facultativo e secreto.

A responsabilidade pela divulgação das eleições é do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Curitiba (Comtiba). Cada município deve ter no mínimo um Conselho Tutelar com cinco membros. Em municípios maiores, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda a criação de uma unidade para cada grupo de 200 mil habitantes. Em Curitiba, a primeira eleição só ocorreu em 1997, uma das últimas capitais a tê-lo instalado. Hoje são nove.

Cada um dos 45 conselheiros recebe R$ 2.224,00 por mês. Além disso, o Fundo Municipal de As­­sistência cobre despesas de água, luz, manutenção predial, combustível, manutenção e conserto dos veículos, gastos com telefones (fixo e celular), motoristas e cheque-táxi. O Fundo disponibiliza 20 servidores municipais para atuar nos conselhos (oito agentes administrativos, oito educadores sociais e quatro técnicos). Os conselhos são, portanto, totalmente dependentes do poder municipal, o que pode limitar sua atuação na fiscalização em relação à elaboração e à aplicação da política de assistência à infância e à juventude.

Qual município quer fortalecer um órgão que o fiscaliza, que pode e deve apontar as deficiências de suas políticas públicas? No caso específico dos Conselhos Tu­­­telares, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que eles participem da definição do orçamento destinado a políticas e programas para a infância e juventude. Mas não se pode ignorar que a pressão que possa ser exercida é, em parte, limitada pelo fato de os conselhos serem mantidos pelas prefeituras, a quem cabe, inclusive, definir a remuneração dos conselheiros, assim como outros possíveis benefícios.

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