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Regularização dá cidadania a brasiguaios

Programa que começou em novembro garante documentação oficial a ilegais

Antonio Rocha, a esposa, Neide (centro), e a filha Denise: falta de documentos compromete renda e uso de serviços no Paraguai | Cristhian Rizzi/ Gazeta do Povo
Antonio Rocha, a esposa, Neide (centro), e a filha Denise: falta de documentos compromete renda e uso de serviços no Paraguai (Foto: Cristhian Rizzi/ Gazeta do Povo)
Ademir Machado só conseguiu o documento oficial por intermediários |

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Ademir Machado só conseguiu o documento oficial por intermediários

Antonio Alves da Rocha vive há 38 anos no Paraguai. Não consegue trabalho com carteira assinada, não tem conta bancária e, sob o prisma da lei, é um cidadão fantasma. A realidade de Rocha, de 55 anos, é a mesma de pelo menos metade dos 300 mil imigrantes brasileiros radicados no Paraguai, de acordo com estimativas da Organização Internacio­­nal de Migrações (OIM): a ilegalidade. Só agora, 50 anos após a chegada dos primeiros imigrantes ao país vizinho, os governos do Brasil e Paraguai uniram forças para regularizar uma legião de cidadãos sem pátria e documento. O Programa de Regularização de Imigrantes Brasileiros no Paraguai começou em novembro do ano passado como um projeto-piloto no município de Santa Rita, a 70 quilômetros da fronteira com Foz do Iguaçu, capitaneado pelo consulado brasileiro, governo paraguaio e OIM. Diante dos bons resultados, foi ampliado. Em dez meses, 5.590 imigrantes foram beneficiados em diferentes municípios. Receberam uma carteira provisória de imigrante, válida por dois anos. Com o documento em mãos, agora eles podem requerer carteira de motorista, abrir conta em banco e alugar imóveis. Passam a ter uma identidade e serem cidadãos em um país estrangeiro.

Apesar de ser promissora, a iniciativa ainda não consegue atender todos os imigrantes brasileiros no Paraguai, brasiguaios como Rocha. Casado e pai de sete filhos, ele diz estar ilegal no país por não ter condições de arcar com a taxa de R$ 450 cobrada pelo documento. O preço é bem mais em conta do que o cobrado fora do programa.

"O governo brasileiro tem de ajudar os pobres", diz. Rocha mora de graça na propriedade em que trabalha como caseiro, no distrito de Yo Popoti, a 30 quilômetros da fronteira com Foz do Iguaçu. Não paga aluguel, mas diz que não ganha salário. A esposa, Neide Alves da Rocha, 46 anos, conta que nem mesmo empregos temporários são possíveis sem a carteira de imigrante. "Parei de trabalhar como diarista porque não tinha o documento", diz. Apesar da irregularidade, a política de boa vizinhança entre os dois países impede, por vias oficiais, a expulsão em massa dos ilegais do Paraguai. No entanto, os brasileiros sofrem com humilhações e falta de trabalho.

O construtor Ademir Machado, 46 anos, do município de Los Cedrales, a 25 quilômetros da fronteira com Foz do Iguaçu, é um exemplo. Desde que trocou o Brasil pelo Paraguai, há 33 anos, ele requisitou a carteira de migrante três vezes por vias legais, mas não recebeu nenhuma. "Eles falavam que a carteira viria, mas a gente desistia de tanto esperar", conta o construtor.

Até obter o documento, Ma­­chado conta que passou por situações difíceis. Sempre era parado e pressionado pela polícia nas rodovias e não conseguia trabalho formal em empresas.

Mesmo o processo da regularização pode ser difícil. Imigrantes brasileiros consideram o serviço regular de migrações moroso. Na tentativa de acelerar o cadastro, recorrem a agenciadores para fazer o serviço. São intermediários que recolhem documentos, fazem contato com a repartição de migrações e cobram muito bem, mas nem sempre entregam o que prometem.

O produtor Isaías Albino, de Los Cedrales, já tem o documento. Ele conta que os intermediários cobram cerca de R$ 1,5 mil para liberar a carteira. Mas nem sempre há garantias, a exemplo do que ocorre quando se requisita a carteira por vias legais. "Eles dizem que extraviam o papel. É uma máfia".

Caravanas

O programa de regularização dos imigrantes é feito por meio de caravanas itinerantes que percorrem municípios paraguaios com alta concentração de brasileiros. A equipe é formada por cerca de 60 pessoas, entre agentes da Polícia Federal do Brasil, médico, funcionários do setor de migrações do Paraguai, Polícia Nacional do Paraguai e Con­sulado Brasileiro. Aos brasiguaios cabe comparecer ao local, levar documentos e pagar a taxa de aproximadamente R$ 450 referente a serviços e cópias, cobrada pelo governo paraguaio. A diferença deste projeto está na credibilidade. O brasileiro recebe a carteira dois dias depois, no período em que a equipe ainda está na cidade. Neste ano, a caravana já passou por quatro municípios. Até dezembro, visitará mais três.

Política de vizinhança mantém ilegais no país

O Paraguai é o segundo país do mundo com maior concentração de imigrantes brasileiros. Perde so­­mente para os Estados Unidos, conforme informações do Consulado Brasileiro no Paraguai. Apesar disso, há uma diferença grande entre a situação dos brasileiros nos dois países. Nos Estados Unidos, a fiscalização deixa os ilegais amedrontados. No Paraguai, apesar de relatos de humilhação, di­­ficilmente se tem notícia de expulsão de brasileiros, exceto em Ciudad Del Este, onde o setor de migração fica de olho nos trabalhadores ilegais.

Este fenômeno, segundo a coordenadora do projeto de regularização dos imigrantes pela Or­­­ga­­­ni­­zação Internacional de Mi­­­grações (OIM), Graciela Ojeda, deve-se a inúmeros fatores. As condições dos brasileiros que vivem no Para­­guai, explica, são bem diferentes dos que estão em outros países. "Os imigrantes não são incomodados pelas razões históricas da relação amistosa entre Brasil e Paraguai."

No Paraguai os brasileiros sentem-se como estivessem em casa e o paraguaio também é muito pacífico, diz Graciela. "O país é um dos mais acolhedores do mundo", analisa. Não ser expulso pelas au­­to­­ridades migratórias não significa que todos os brasileiros vivam com tranquilidade no país vizinho. Há muitos que deixam o país por terem terras invadidas e serem pressionados pelos próprios paraguaios, incomodados com maciça presença brasileira no país.

Apesar da tradição da di­­plo­­macia e boa vizinhança, a tendência agora, com o programa de regularização, é de a fiscalização apertar como já vem ocorrendo, principalmente nas estradas. Segundo Graciela, isso é comum quando ocorrem programas de anistia ou de regularização de imigrantes. Quanto aos brasileiros sem condições de adquirir a carteira, Graciela diz que os órgãos envolvidos no programa já estudam uma saída para beneficiá-los.

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