
Antonio Alves da Rocha vive há 38 anos no Paraguai. Não consegue trabalho com carteira assinada, não tem conta bancária e, sob o prisma da lei, é um cidadão fantasma. A realidade de Rocha, de 55 anos, é a mesma de pelo menos metade dos 300 mil imigrantes brasileiros radicados no Paraguai, de acordo com estimativas da Organização Internacional de Migrações (OIM): a ilegalidade. Só agora, 50 anos após a chegada dos primeiros imigrantes ao país vizinho, os governos do Brasil e Paraguai uniram forças para regularizar uma legião de cidadãos sem pátria e documento. O Programa de Regularização de Imigrantes Brasileiros no Paraguai começou em novembro do ano passado como um projeto-piloto no município de Santa Rita, a 70 quilômetros da fronteira com Foz do Iguaçu, capitaneado pelo consulado brasileiro, governo paraguaio e OIM. Diante dos bons resultados, foi ampliado. Em dez meses, 5.590 imigrantes foram beneficiados em diferentes municípios. Receberam uma carteira provisória de imigrante, válida por dois anos. Com o documento em mãos, agora eles podem requerer carteira de motorista, abrir conta em banco e alugar imóveis. Passam a ter uma identidade e serem cidadãos em um país estrangeiro.
Apesar de ser promissora, a iniciativa ainda não consegue atender todos os imigrantes brasileiros no Paraguai, brasiguaios como Rocha. Casado e pai de sete filhos, ele diz estar ilegal no país por não ter condições de arcar com a taxa de R$ 450 cobrada pelo documento. O preço é bem mais em conta do que o cobrado fora do programa.
"O governo brasileiro tem de ajudar os pobres", diz. Rocha mora de graça na propriedade em que trabalha como caseiro, no distrito de Yo Popoti, a 30 quilômetros da fronteira com Foz do Iguaçu. Não paga aluguel, mas diz que não ganha salário. A esposa, Neide Alves da Rocha, 46 anos, conta que nem mesmo empregos temporários são possíveis sem a carteira de imigrante. "Parei de trabalhar como diarista porque não tinha o documento", diz. Apesar da irregularidade, a política de boa vizinhança entre os dois países impede, por vias oficiais, a expulsão em massa dos ilegais do Paraguai. No entanto, os brasileiros sofrem com humilhações e falta de trabalho.
O construtor Ademir Machado, 46 anos, do município de Los Cedrales, a 25 quilômetros da fronteira com Foz do Iguaçu, é um exemplo. Desde que trocou o Brasil pelo Paraguai, há 33 anos, ele requisitou a carteira de migrante três vezes por vias legais, mas não recebeu nenhuma. "Eles falavam que a carteira viria, mas a gente desistia de tanto esperar", conta o construtor.
Até obter o documento, Machado conta que passou por situações difíceis. Sempre era parado e pressionado pela polícia nas rodovias e não conseguia trabalho formal em empresas.
Mesmo o processo da regularização pode ser difícil. Imigrantes brasileiros consideram o serviço regular de migrações moroso. Na tentativa de acelerar o cadastro, recorrem a agenciadores para fazer o serviço. São intermediários que recolhem documentos, fazem contato com a repartição de migrações e cobram muito bem, mas nem sempre entregam o que prometem.
O produtor Isaías Albino, de Los Cedrales, já tem o documento. Ele conta que os intermediários cobram cerca de R$ 1,5 mil para liberar a carteira. Mas nem sempre há garantias, a exemplo do que ocorre quando se requisita a carteira por vias legais. "Eles dizem que extraviam o papel. É uma máfia".
Caravanas
O programa de regularização dos imigrantes é feito por meio de caravanas itinerantes que percorrem municípios paraguaios com alta concentração de brasileiros. A equipe é formada por cerca de 60 pessoas, entre agentes da Polícia Federal do Brasil, médico, funcionários do setor de migrações do Paraguai, Polícia Nacional do Paraguai e Consulado Brasileiro. Aos brasiguaios cabe comparecer ao local, levar documentos e pagar a taxa de aproximadamente R$ 450 referente a serviços e cópias, cobrada pelo governo paraguaio. A diferença deste projeto está na credibilidade. O brasileiro recebe a carteira dois dias depois, no período em que a equipe ainda está na cidade. Neste ano, a caravana já passou por quatro municípios. Até dezembro, visitará mais três.
Política de vizinhança mantém ilegais no país
O Paraguai é o segundo país do mundo com maior concentração de imigrantes brasileiros. Perde somente para os Estados Unidos, conforme informações do Consulado Brasileiro no Paraguai. Apesar disso, há uma diferença grande entre a situação dos brasileiros nos dois países. Nos Estados Unidos, a fiscalização deixa os ilegais amedrontados. No Paraguai, apesar de relatos de humilhação, dificilmente se tem notícia de expulsão de brasileiros, exceto em Ciudad Del Este, onde o setor de migração fica de olho nos trabalhadores ilegais.
Este fenômeno, segundo a coordenadora do projeto de regularização dos imigrantes pela Organização Internacional de Migrações (OIM), Graciela Ojeda, deve-se a inúmeros fatores. As condições dos brasileiros que vivem no Paraguai, explica, são bem diferentes dos que estão em outros países. "Os imigrantes não são incomodados pelas razões históricas da relação amistosa entre Brasil e Paraguai."
No Paraguai os brasileiros sentem-se como estivessem em casa e o paraguaio também é muito pacífico, diz Graciela. "O país é um dos mais acolhedores do mundo", analisa. Não ser expulso pelas autoridades migratórias não significa que todos os brasileiros vivam com tranquilidade no país vizinho. Há muitos que deixam o país por terem terras invadidas e serem pressionados pelos próprios paraguaios, incomodados com maciça presença brasileira no país.
Apesar da tradição da diplomacia e boa vizinhança, a tendência agora, com o programa de regularização, é de a fiscalização apertar como já vem ocorrendo, principalmente nas estradas. Segundo Graciela, isso é comum quando ocorrem programas de anistia ou de regularização de imigrantes. Quanto aos brasileiros sem condições de adquirir a carteira, Graciela diz que os órgãos envolvidos no programa já estudam uma saída para beneficiá-los.




