
Elas chegam cedo no trabalho. Dão duro o dia inteiro. Saem só no finzinho da tarde. Trabalham sem reclamar e não medem esforços para fazer o melhor possível. E fazem isso sem ter ninguém para mandar nelas. Rosalba, Terezinha, Catarina, Aninha e Lucimara são donas do próprio nariz: não têm patrão, chefe, nem nada do gênero. As cinco decidem tudo no seu trabalho coletivamente: desde o horário do expediente até a divisão do dinheiro no fim do mês.
As cinco mulheres são as responsáveis pela Padaria Comunitária do Centro Comunitário e de Proteção Alimentar Padre Miguel (Cecopam), na Vila São Pedro, que fica no bairro Xaxim, em Curitiba. Elas conheceram o sistema de economia solidária enquanto freqüentavam a igreja. Fizeram cursos de formação, se apaixonaram pelo sistema de produção e decidiram tentar a sorte. Hoje, são conhecidas em toda a região. A cada dia de trabalho, vendem cerca de 100 pães caseiros, resultado de fornadas que ocupam o dia inteiro das cozinheiras.
Tudo começou nas comunidades eclesiais de base. "Tomamos contato com uma igreja ativa e conhecemos os movimentos sociais", diz Rosalba Wisniewski, uma parnanguara que nunca tinha trabalhado fora de casa antes de chegar à padaria. Na igreja, elas conheceram os educadores do Cefuria, o Centro de Formação Urbana e Rural Irmã Araújo. E aí veio a mudança de rumo para todas.
O Cefuria, que homenageia em seu nome uma freira que auxiliava famílias em áreas de ocupação, se especializou em dar formação e conscientização política para o povo. Quem se engaja no processo de educação, baseado em Paulo Freire, fica sabendo um pouco mais sobre o funcionamento do mundo, sobre política e sobre economia. Tudo de um ponto de vista bastante crítico. "Nós falamos, por exemplo, sobre a História Social do Trabalho", conta Antônio Carlos Bez, um dos educadores populares do Cefuria.
Equipamentos
Um dia, do nada, Rosalba conta que recebeu uma ligação. Do outro lado da linha estava o pessoal do Cefuria. "Disseram que tinha chance da gente conseguir uma padaria. Mas tinha que fazer o projeto no dia mesmo", lembra ela, que hoje funciona como uma bem-humorada e ultra-articulada porta-voz do grupo. O projeto foi feito a toque de caixa. E elas foram escolhidas para receber o equipamento: massadeiras, cilindros, forno, fogão, tudo que era necessário para entrar no negócio dos pães.
O espaço foi cedido pelo Cecopam uma organização não-governamental que atua na vila há vários anos. E os equipamentos vieram do Produsa, um programa destinado a gerar renda para pessoas por meio do trabalho. "Foram 23 padarias montadas pelo programa", conta Tatjane Garcia Albach, da Secretaria do Trabalho, que cuidava do projeto até o ano passado, antes de ele ser extinto. "O mais impressionante foi o quanto isso mudou a auto-estima dessas mulheres", diz Tatjane.
E elas realmente são orgulhosas do que fazem. "Já larguei dois trabalhos por causa disso aqui", conta Terezinha Kohut. Ela era diarista e deixou as casas em que trabalhava para apostar no novo projeto. Catarina Wozhiak e Lucimara Wielewski todas descendentes de poloneses ainda continuam fazendo diárias. E por isso a panificadora, pelo menos por enquanto, só funciona três dias por semana.
Esforços
Num dia típico de trabalho, as cinco cozinheiras chegam às 7 horas. Começam a fazer a massa e logo os primeiros pães estão no forno. Lá pelas 10 horas, Algenilde dos Santos, a Aninha, uma sergipana que desembarcou há uma década em Curitiba, sai para começar a venda no bairro. Com a fama do quinteto, já tem gente batendo na porta da cozinha pelo fim da manhã. Ao longo do dia, mais de uma centena de pães é assada.
Quando têm encomendas, elas também se juntam em dias extras. Às vezes para fazer bolo para uma festa, outras vezes para fazer bolachinhas ou salgados para um cliente. E só não fazem mais porque não conseguem ter nota fiscal ainda. "Não há no país uma legislação que permita a economia solidária. O trabalho acaba sendo informal", conta Tatjane.
No fim do mês, depois de pagas as contas de gás, luz, água e todo o resto, acabam sobrando pouco mais de R$ 150 para cada uma. Alguém pode achar pouco. Não importa. Elas ajudam em casa e estão mais do que satisfeitas com o seu trabalho. "Isso aqui para nós é como uma nova família", diz Rosalba, sempre sorridente.
O dinheiro, aliás, nunca pode ser chamado de lucro esta é uma das regras do local. O nome oficial é "a partilha". Altamente politizadas e influenciadas pela formação que tiveram, elas usam o próprio exemplo como crítica ao modelo econômico vigente. Por isso, se recusam até a colocar o dinheiro da padaria num banco "coisa do capitalismo, que está levando o mundo para o buraco", dizem. Fica tudo muito seguro em um local escondidinho. Não rende juros, mas elas não se preocupam com isso. "Estamos aqui porque acreditamos que uma outra economia é possível", fala Rosalba.



