Bares e restaurantes ao longo da BR-116, em Campina Grande do Sul, na região metropolitana de Curitiba (RMC), exibem iscas tentadoras para atrair fregueses. São meninas cada vez mais jovens, que fazem programas por alguns trocados ou por uma cesta básica ou um lanche. Os cerca de 80 quilômetros de rodovia fazem do município um nicho de exploração sexual infantil e complicam o trabalho das autoridades locais. Hoje, Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma série de mobilizações ocorre na cidade e em vários outros municípios do Paraná, para combater a prática cada vez mais comum.
"Feiticeira o aguarda" e "lábios de mel esperando por você" são algumas das mensagens enviadas por Rádio PX (serviço utilizado por caminhoneiros para a comunicação), para divulgar a oferta de meninas. Elas vêm de bares e restaurantes ao longo da rodovia, que, em boa parte, funcionam como fachada para a exploração sexual infantil, usando as adolescentes para atrair fregueses. De um lado do balcão, tudo parece normal. É do outro lado que o abuso acontece.
Em uma região de muita rotatividade, muitas dessas garotas vêm de outras cidades com uma carona e acabam parando nestes estabelecimentos. Ou são meninas do próprio município, cujos pais sabem de tudo e fazem vista grossa quando não são eles quem exploram os próprios filhos. "Alguns pais chegam a hospedar caminhoneiros na própria casa para que mantenham relação sexual com suas filhas", afirma a assistente social da Secretaria da Ação Social da Campina Grande do Sul, Amélia Rolim Arseniadis.
Quando a polícia chega a estes lugares, as jovens fogem, embrenham-se no mato ou procuram ficar no interior da casa, sempre com desculpas parecidas: estão cuidando de alguma criança ou visitando alguém da região. As roupas curtas e sensuais, no entanto, as contradizem. "É difícil configurar o flagrante de exploração sexual infantil. Normalmente encaminhamos adolescentes por trabalho infantil, quan-do conseguimos pegá-los no balcão atendendo e sendo expostos a bebidas alcoólicas", explica o chefe da 1.ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal do Paraná, Adriano Marcos Furtado.
De acordo com o Conselho Tutelar de Campina Grande do Sul, nos últimos três anos foram feitos aproximadamente 200 encaminhamentos por abuso ou exploração sexual, contando a área urbana e rural do município. Mas os dados mostram que a maioria dos casos ocorre na área rural, por onde passa a rodovia. No ano passado, foram 65 ocorrências nas estradas. Neste ano, já foram contabilizadas 20. "A tendência é de que o número de casos aumente porque começamos um trabalho intenso de detecção, mas, depois disso, acreditamos que o problema começa a ser minimizado", afirma Amélia.
Segundo o Conselho Tutelar, algumas meninas são iniciadas com apenas 12 anos de idade e se acostumam a praticar sexo oral por R$ 3. "E sem preservativo, o que é pior ainda", explica Amélia.
"Não queremos mais aparecer nos jornais como rota de exploração sexual infantil", diz a prefeita, Nelise Cristiane Dalprá. Para ela, a única forma de pôr um ponto final na questão é enfrentar o problema de frente. Por ser mulher, Nelise acredita que questões como essa acabam ganhando atenção maior de sua parte. "É uma das prioridades da administração. A visão da mulher prefeita é uma visão maternal, a mulher é mais sensível a estes problemas", opina.
O poder público municipal de Campina Grande do Sul lutou para que vários órgãos somassem esforços para combater o problema. Dessa forma, Conselho Tutelar, secretarias municipais, Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência, Defesa Civil e Polícia Rodoviária Federal juntaram forças. Depois de alguns anos de luta, o programa federal Sentinela, que ajuda no combate à exploração e ao abuso sexual de crianças e adolescentes, está sendo implantado na cidade.
A Polícia Rodoviária Federal e o Conselho Tutelar têm intensificado as operações-surpresa nos estabelecimentos à beira da BR-116 para coibir a atividade de exploração sexual. "Não podemos ficar de braços cruzados, nós vamos bater mais firme ainda, temos de nos impor", diz Nelise. O município ainda tem projetos próprios, como o Provocação, que, de tão bem sucedido, será apresentado a 32 municípios paranaenses interessados em implantá-lo.
Pelo projeto, quando a escola suspeita que algum aluno esteja sendo alvo de maus-tratos, faz uma ficha e manda ao Conselho Tutelar. Depois disso, direção da escola e conselheiros combinam o "dia do seqüestro", quando eles vão todos juntos à casa do aluno para conversar com a família. Depois deste dia, o trabalho de acompanhamento continua.
"Nós entendemos que não basta solucionar o problema final, temos de mudar todo um contexto social", explica Amélia, que é também uma das idealizadoras do programa. O Provocação já diminuiu a evasão escolar de 1% para 0,01% em três anos. "Com isso evitamos que muitas dessas crianças pudessem estar sendo exploradas hoje", afirma Amélia.



