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Vestuário

Roupa para quê?

A indústria da moda ainda não achou o tom certo da modelagem do guarda-roupa dos mais velhos. Algumas iniciativas estão tentando mostrar o caminho

Linha casual da Sharisma, confecção paulista dirigida à terceira idade: cores mais vivas | Arte sobre foto de divulgação
Linha casual da Sharisma, confecção paulista dirigida à terceira idade: cores mais vivas (Foto: Arte sobre foto de divulgação)
Moda na enfermariam |

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Moda na enfermariam

Não é fácil acertar o figurino: tons neutros e modelos sisudos podem acrescentar mais anos à aparência do que o registro de nascimento acusa. Exagero nas cores e modelagens ousadas vão brigar com o conforto do usuário. A dificuldade de escolher a roupa adequada para qual­­quer ocasião – seja no dia a dia ou em compromissos especiais – aumenta para quem já passou dos 60 anos. Além do estilo, que sempre tende a deixar o visual mais sóbrio, há problemas com cortes e modelagens usados na in­­dústria da moda, que privilegia me­­didas-padrão de corpos jovens e não presta muita atenção nas alterações morfológicas que a idade impõe. Tronco mais curto, cintura expandida, curvaturas da coluna acentuadas, busto baixo, ombros arcados e movimentos limitados por problemas de saúde interferem diretamente no vestuário do idoso. Conforto e funcionalidade nem sempre combinam com estilo e o resultado vai de um extremo a outro: do moletom e vestidinho florido de malha fria aos ajustes indispensáveis em roupas prontas.

Estimulados pela professora Cristiane Aparecida Gontijo Victer, coordenadora do curso de Design de Moda da Faculdade de Ciências Econômicas e Faculdade de Arte e Design de Divinópolis, em Minas Gerais, os alunos pesquisaram os desejos relativos ao vestuário de um grupo de 60 mulheres, frequentadoras do curso sênior da instituição, entre 2007 e 2008. E confirmaram o que deveria ser óbvio: a geração que queimou sutiãs e cortou as barras das saias, lançando moda e tendência na década de 1960, não quer ficar à margem da moda. Com agenda lotada de compromissos sociais dentro e fora da família, elas precisam de variação no guarda-roupa, e com modelagem adequada à idade e às necessidades atuais. "Esse público, apesar de crescente, não é estudado. Não há coleções dirigidas aos idosos. Eles querem pequenos ajustes na modelagem industrial para garantir um jeans com bom caimento, sutiãs de sustentação e cortes estruturados, que ajudem a disfarçar imperfeições, como barriguinhas salientes", opina Cristiane. Conforto e estética são importantes para a maioria das pesquisadas. Para garantir isso, metade delas manda fazer roupas sob medida, em costureiras. E um quarto declarou que usaria blusas de alças, se essa peça fosse feita especialmente para a faixa etária. "Essa ergonomia corporal precisa ser respeitada, tanto para idosos como para portadores de deficiência e obesos mórbidos, por exemplo. Há pouca preocupação em planejar coleções dirigidas, investigar os desejos desses públicos, seus hábitos de vida. Esse conceito precisa ser instigado nos profissionais de moda", cita a professora.

Para o estilista Silmar Alves, professor de modelagem do curso de Moda do Senai, de Curitiba, a aten­­ção às roupas especiais vai além da modelagem. Começa na esco­­lha dos tecidos – dando sempre preferência aos mais naturais e fugindo das fibras sintéticas –, e passa pelos aviamentos e acabamentos. "A pele do idoso é mais fi­­na e sensível. É preciso atenção em detalhes que podem marcar, incomodar ou deixá-lo com movimentos limitados", explica. Ganchos e ca­­vas precisam ser mais amplos e o uso de botões deve ser muito bem ava­­liado para não obrigar o usuário, que possa ter comprometimento da coordenação motora ou limitações de autonomia, a rotinas que o deixem irritado ou aborrecido.

Há também recursos usados na confecção que proporcionam conforto, sem abrir mão da elegância. A temperatura corporal dos mais velhos tende a ser mais difícil de ser estabilizada. O ideal é estar sempre aquecido, mas sem precisar usar roupas em demasia ou peças muito pesadas. "O mais indicado é vestir-se em camadas, no conceito três folhas: tecidos finos perto da pele, para que proporcionem o aquecimento; outro intermediário por cima e um abrigo, para proteger das quedas bruscas de temperatura", ensina. Outro truque é manter bolsões de ar na área dos pulmões e tórax. Bolsos estrategicamente instalados na parte frontal de uma jaqueta, por exemplo, permitem que sejam preenchidos com bolsas de gel aquecidas. "São barreiras que evitam a perda de calor", observa.

Além dos macetes da modelagem, a tecnologia também pode ser uma aliada. Tecidos antibactericidas e hidratantes, que liberam substâncias emolientes em contato com a pele por até 200 lavagens, são algumas das alternativas de conforto. Até mesmo o antichamas pode ajudar a reduzir danos em acidentes domésticos. "Em casos de queimadura, por exemplo, os tecidos sintéticos são muito mais perigosos para o paciente", diz.

Alves lembra que a necessidade é que vai pautar o mercado quanto ao investimento em coleções específicas para a terceira idade. Os profissionais do setor também vão buscar formações mais completas, principalmente à medida em que enfrentem o problema dentro de casa. "Um visual bem cuidado afeta positivamente a saúde e a convivência do idoso com sua família. Não deixa de ser uma forma de carinho".

Confecção lança linha funcional para idosos

Vinte e dois anos de experiência no cuidado diário de idosos em um centro de atendimento indicaram o caminho para a empresária Vanda Calgaro, de São Paulo. Diante da dificuldade na rotina com pacientes acamados, com pouca autonomia e até portadores de demências, Vanda trabalhou em modelagens de roupas que facilitassem o manuseio pelos cuidadores. Até a criação da própria linha terapêutica, o vestuário dos pacientes era adaptado.

O lançamento da Sharisma, confecção dirigida à terceira idade, ocorreu depois de três anos de pesquisa e testes de peças-piloto nos hóspedes do Centro Integrado de Atenção ao Idoso, instituição que Vanda dirige na capital paulista. Nesta primeira fase, a confecção investiu em uma linha funcional. "No caso do idoso com patologias específicas, como limitação de mobilidade, por exemplo, você tem de promover as adaptações necessárias: tecidos que não machuquem e não causem alergia e modelagem com aberturas diferenciadas e estratégicas nas peças", explica.

A Sharisma também pesquisa tecidos, aviamentos e vestibilidade. "Uma das preocupações é garantir a dignidade dos pacientes acamados, dando a eles a opção de estarem bem vestidos, apesar da condição frágil de saúde e incapacidade. Há peças com compartimentos para acomodação da bolsa de colostomia ou aberturas que evitem que o paciente seja completamente despido para um exame ou curativo", diz.

A confecção produz 4 mil peças por mês e comercializa as coleções apenas pela internet. Também são vendidas peças da linha casual, com aposta em cores vivas e modelos procurados por senhoras, como calças de cintura mais alta e mangas sem forro.

Serviço:

www.sharisma.com.br

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