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Descaso

Sem coveiro, famílias têm de abrir sepulturas

Alegando que não há necessidade de funcionário em distrito com 800 habitantes, prefeito ameaça responsabilizar moradores pelos “enterros ilegais”

Alessandro Lino Soares volta ao cemitério de Ourolândia para pôr terra em cima da sepultura do pai. | Dirceu Portugal/Gazeta do Povo
Alessandro Lino Soares volta ao cemitério de Ourolândia para pôr terra em cima da sepultura do pai. (Foto: Dirceu Portugal/Gazeta do Povo)

Moradores do distrito de Ourilândia, em Barbosa Ferraz, Centro-Oeste paranaense, estão tendo de passar por uma situação inusitada, absurda e constrangedora na hora de sepultar os seus mortos no Cemitério Municipal da localidade, com pouco mais de 800 habitantes. Para enterrar o corpo, os parentes são obrigados a tomar emprestadas de vizinhos pá e enxada, cavar a sepultura, descer o caixão e depois cobrir o local com terra, tudo por causa de supostas "férias" do coveiro do cemitério. "Desde novembro o distrito não conta com um coveiro. Se morrer alguém, a família tem de pegar no cabo da pá, abrir a cova e enterrar o seu morto", conta o aposentado Paulo Inácio Gonçalves, de 63 anos, que recentemente foi obrigado a ajudar no sepultamento de uma moradora.

A dona de casa Maria Rocha Lino, 50, ficou revoltada ao saber que teria de pedir a alguém da família para cavar a sepultura onde seria enterrado o seu pai, falecido há um mês. "Além da tristeza de perder o pai, fomos obrigados a pedir ajuda aos parentes para abrir a cova, enterrar e depois cobrir a sepultura", conta. "Não esperava ter de passar por essa situação absurda."

Segundo ela, a prefeitura teria demitido, em novembro, a pessoa responsável pela jardinagem da praça central e pela abertura das sepulturas. "Antes de sair ela ainda deixou uma cova aberta para poupar o trabalho da próxima família", conta.

O estudante Alessandro Lino Soares, de 18 anos, irmão da dona de casa, não esquece os momentos difíceis que passou ajudando a abrir a sepultura do próprio pai. "Antes de ir ao velório tive de ajudar no cemitério", conta, emocionado. "Abrimos a cova em duas horas, voltei para casa, tomei um banho e fui ao velório."

Ontem o estudante voltou ao campo santo, abandonado, com plantação de mamona, mandioca, colonião, cactos e muito mato, para colocar terra em cima da sepultura do pai. "A chuva dos últimos dias levou um pouco da terra", explica. "Não podíamos deixar a sepultura descoberta."

Já o aposentado Ernesto Francisco de Carvalho, de 80 anos, recorreu aos amigos na hora de sepultar o corpo da esposa, que morreu na véspera de Natal do ano passado. Ele lembra que no dia do sepultamento, um feriado, não adiantava andar por 16 km de uma estrada em péssimas condições de conservação para buscar o coveiro na sede do município. "O nosso distrito é meio esquecido, somos obrigados a passar por isso", lamenta.

Ilegalidade

De acordo com o prefeito de Barbosa Ferraz, Mário César Carvalho (PMDB), as famílias serão responsabilizadas pelos sepultamentos ‘ilegais’. "Montamos uma comissão para apurar as responsabilidades", ameaça. "O município tem normas e devem ser cumpridas."

Ele lembra que, antes de sepultar os mortos, os parentes deveriam ter procurado pelo setor de tributação municipal para a expedição de uma guia de sepultamento. "Enterram no cemitério como se fosse o fundo do quintal", critica. "Em hipótese alguma deveria ter sido feito o sepultamento, pois a família sabe onde é, mas a sociedade não."

O prefeito informou durante a entrevista que teria demitido o funcionário (segundo os moradores, seria uma funcionária) responsável pelo setor em novembro, por erros na contratação, mas depois alegou que o servidor tirou férias de 15 de dezembro a 15 de janeiro. "O funcionário estava em férias. Morrem três pessoas por ano no distrito, não justifica ter coveiro lá", argumenta.

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