
Pelo menos 7,8 milhões de brasileiros declararam estar separados, divorciados ou desquitados no ano passado, segundo a Pesquisa Nacional Por Amostras de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São cerca de 4,8 milhões de mulheres e 3 milhões de homens. O número de pessoas nesta situação só cresce desde 1977, data da lei que permite o divórcio do Brasil. E apesar de a versão pai, mãe e filho (s) ainda ser o ideal buscado pela maioria da população, hoje percebe-se diversas maneiras de concepção sobre o que é ser família.
As mudanças, segundo a assistente social Nayara Hakime Dutra de Oliveira, não fizeram com que a família perdesse sua essência. Pelo contrário, ela continua a ter um papel importante na construção da sociedade. Focada nas atuais tendências, Nayara lançou recentemente o livro Recomeçar: família, filhos e desafios, que aborda o tema separação conjugal. A obra é baseada na pesquisa da autora para defesa de sua tese de doutorado em serviço social da Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho (Unesp), onde ela também trabalha na Unidade Auxiliar do Centro Jurídico Social. Desde a graduação, Nayara atua no atendimento familiar neste laboratório, que presta auxílio jurídico e assistência social às famílias pobres.
Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explica os resultados obtidos em sua pesquisa, principalmente relacionados à mulher, foco escolhido da obra. As relações com os filhos durante o processo de separação também foram elementos centrais de sua pesquisa.
Quais são os principais desafios que os casais têm de enfrentar durante a separação e depois dela?
Cada família vivencia as transformações segundo a sua própria realidade, mas essa ruptura dos vínculos pode gerar transformações na habitação, nas condições socioeconômicas, nas formas de convivência familiar. Tudo isso está interligado com o mundo exterior, com as questões cultural, religiosa, de inserção na sociedade e com o ritmo interior de cada membro da família.
Seu livro aborda a centralidade do filho no casamento. Como é essa relação?
O que se percebe é que os pais, muitas vezes, colocam os filhos nesse papel de centralidade. A separação é do casal e se trata de uma situação jurídica que vai trazer uma solução para os filhos também. Agora, quem decide sobre o divórcio são os pais, mas mesmo assim é impressionante a centralidade que os filhos passam a ter. As mães que ficam com os filhos após a separação têm a dupla função: cuidam das próprias vidas, que foram totalmente transformadas, e de seus filhos que vivenciaram toda essas mudanças de maneira distinta. A questão dos filhos é tão presente que elas parecem viver em função deles. Quando pensam na perspectiva de futuro, colocam que ele depende da realidade que estariam vivenciando com os filhos, em especial no tocante a uma possível nova união. Elas dependem do aval dos filhos em relação ao novo parceiro.
E como ficam as crianças pós-separação? É uma situação traumática?
Muitas vezes os filhos têm o desejo de que os pais voltem a viver juntos. E isso talvez represente a vontade de vê-los constantemente, por que estavam acostumados com o casal em casa. Se para o casal que vivencia uma relação a dois, marcada por discórdia, esse rompimento do vínculo é difícil, para os filhos esse distanciamento pode não ser compreendido. O diálogo deve permear o processo antes e depois, porque existem ex-esposos, mas não ex-filhos e o vínculo continua ao longo da história da família. A maneira pela qual os filhos vão reagir diante dessa situação é variável. Depende da idade, do sexo, do temperamento de cada criança.
A mulher é a figura central de seu livro. Por que esta escolha?
A pesquisa foi feita na Unidade Auxiliar do Centro Jurídico Social da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), câmpus de Franca, instituição que presta assistência jurídica à população que não tem condições de arcar com advogado particular. Aqui sempre o usuário predominante é do sexo feminino. Durante a pesquisa quantitativa, pude verificar que a maioria das pessoas que pedia separação era do sexo feminino. Resolvi pensar por esse viés, pelas próprias condições históricas das mulheres.
Ainda existe preconceito contra a mulher separada?
Acredito que existe, mas não fica tão escancarado como anteriormente. Ela é ainda a "mulher separada", enquanto o homem apenas se separou. Isso faz com que elas, muitas vezes, tenham dificuldade de estabelecer uma nova união e viver a nova independência. Constantemente, os homens se casam mais rápido e as mulheres ficam na expectativa de restabelecer a união ou se sentem culpadas e inferiores pela situação de estarem separadas.
A separação das famílias com dificuldades econômicas se dá de modo diferente?
Na verdade, na questão da separação em si, não existe diferença. O que existe são as maneiras que as pessoas a vivenciam, independente da situação econômica. Famílias que possuem condições socioeconômicas precárias podem não ter como mascarar a separação. Geralmente, elas vivem em locais não privativos, são assistidas pela rede de assistência social, pela assistência jurídica, pela educação pública, pelo transporte coletivo. Suas vidas são públicas e as vidas de pessoas com melhores condições econômicas são mais privativas.
De que maneira o individualismo influencia na separação?
Vivemos em uma sociedade em que cada membro da família tem um mundo particular dentro da sua própria casa. É difícil conciliar um objetivo comum em um mundo onde a competição impera e a luta pela sobrevivência faz com que as pessoas tenham cada vez menos tempo para conviver. O lazer em família é praticamente inacessível, porque as condições sociais não permitem que as pessoas, de modo geral, tenham esse momento coletivo familiar. O que se percebe é uma luta constante para cada um conseguir o melhor para si, esquecendo-se do outro que está ao seu lado. Isso difere da individualidade, que precisa estar presente na relação do casal e na convivência familiar.
Serviço:
O livro Recomeçar: família, filhos e desafios faz parte do projeto Propg-Digital, do Programa de Pós-Graduação da Unesp, e está disponível para download gratuito no site www.culturaacademica.com.br



