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Alcoólicos Anônimos

Só por hoje

Alcoolismo é uma doença que não distingue pobres e ricos, professores e analfabetos, jovens e idosos. A cura começa pela aceitação de que se está doente

Reunião do AA em Curitiba: o primeiro dos 12 passos para a cura é admitir-se impotente diante da bebida. Lema é evitar o primeiro gole | Pedro Serápio / Gazeta do Povo
Reunião do AA em Curitiba: o primeiro dos 12 passos para a cura é admitir-se impotente diante da bebida. Lema é evitar o primeiro gole (Foto: Pedro Serápio / Gazeta do Povo)
Veja o questionário feito para identificar possíveis problemas com o álcool |

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Veja o questionário feito para identificar possíveis problemas com o álcool

Sexta-feira, 19 horas. Enquanto o movimento de véspera de fim de semana nos bares começa, um grupo de 21 pessoas segue o caminho contrário. Gente como uma moça bonita, cabelos castanhos e lisos, de 35 anos. "A maior besteira que posso fazer é querer me testar, ir a um bar e pensar que vou tomar só refrigerante", resigna-se. Apesar de duras, as palavras ditas na frente das outras 20 pessoas são de alívio. É sinal de que ela tem seguido os 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (AA). Principalmente o primeiro e mais difícil: de admitir ser impotente diante da bebida e que, por conta disso, não adianta fazer planos a longo prazo para parar. Basta não beber hoje. Todos os dias, só por hoje.

Criado em 1935 na cidade de Akron (EUA) por um corretor financeiro e um médico que tinham problemas com a bebida, o AA é uma irmandade sem fins políticos e religiosos, cujo objetivo é ajudar seus membros a deixar o álcool a partir da troca de experiências entre eles mesmos. No Paraná, o AA festeja 40 anos na próxima terça-feira, quando uma reunião pública no Centro de Convenções comemora a data, às 19h45. Dos 13 participantes da primeira reunião em Curitiba, no dia 5 de setembro de 1968, a irmandade cresceu para os atuais 247 grupos no estado, que auxiliam 35 mil pessoas a se manterem longe do álcool.

Os grupos reúnem moradores de rua a empresários, de professores universitários a analfabetos, de jovens a idosos, de policiais a presidiários (há um grupo na Penitenciária Central do Estado, em Piraquara). Para ingressar nesse grupo basta querer parar de beber. "Quando o doente alcoólico passa a freqüentar o AA, ele admite que é impotente diante da bebida e pára de criar mecanismos de defesa para explicar por que bebe. Isso é mais do que meio caminho andado no tratamento", ressalta o médico psiquiatra Dagoberto Hungria Requião, especialista no tratamento de alcoolismo e diretor do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz.

40 anos sóbrio

O funcionário público aposentado Amauri (os sobrenomes dos membros não podem ser publicados, já que o anonimato é um dos preceitos do AA) estava na primeira reunião e desde então nunca mais bebeu. Aos 31 anos, tremia a ponto de não conseguir descer a escada de casa sem antes tomar um copo de cachaça ao acordar. Semana que vem completará 71 anos de idade e quatro décadas sóbrio. Vício mesmo, só o Atlético Paranaense. "Desse eu não largo", brinca. Quando o assunto é sério, Amauri enfatiza: "Se não fosse o AA, com certeza eu não estaria vivo há muito tempo. Dos meus amigos de tempos de boteco não sobrou nenhum".

Como quase todo alcoólico, Amauri levou muito tempo para aceitar a doença. "Bebia três garrafas de cachaça por dia. Cheguei a perder um escritório de contabilidade, ser preso várias vezes por brigas e mesmo assim achava que estava tudo sob controle", diz. A situação só mudou quando passou a ter desmaios e alucinações nos curtos períodos em que ficava sem beber. Foi então que, ao ver na televisão um anúncio convidando pessoas com problemas com álcool a participar de uma reunião, resolveu virar o jogo.

Nesses 40 anos, atesta Amauri, diminuiu o preconceito diante da irmandade que ajudou a fundar no Paraná. "A visão antes era de que o AA não passava de uma reunião de bêbados vagabundos reclamando da vida. Hoje têm até empresas que implantam o AA para ajudar seus funcionários", diz. Em outras palavras, é o reconhecimento de que o alcoolismo não é um desvio de caráter, e sim uma doença crônica, progressiva e incurável. Porém completamente controlável. Basta força de vontade.

Família também precisa de ajuda

O alcoolismo não é uma doença individual, diz o médico psiquiatra Dagoberto Hungria Requião. A família também adoece. "Muitas vezes o parceiro do alcoólico age como ele. Mente para explicar a falta ao trabalho. Ou passa a humilhá-lo em público, causando um desgaste capaz de levar à depressão. Por isso, a família também precisa de ajuda".

No Paraná, essa ajuda pode ser encontrada nos 84 grupos do Al-Anon, que ajuda parentes e amigos de alcoólicos. Para os jovens de 13 a 19 anos existe o Alateen. Segundo a coordenadora estadual do Al-Anon, Erondina (o anonimato vale também para a irmandade), a iniciativa da família em buscar auxílio para si mesma muitas vezes é a porta de entrada do doente no AA.

"Ao chegar, os familiares não acreditam numa solução, mas percebem que o alcoólico é impotente diante da bebida e ajudam a quebrar a negação dele em relação à doença", diz. Dos membros do Al-Anon, 99% são mulheres. "O homem tem dificuldade de admitir que tem o problema do alcoolismo na família. Até porque quando o problema é com a mulher, ela não se expõe, não bebe em bares", diz Erondina. (MXV)

Serviço:

AA: www.alcoolicosanonimos-pr.org.br ou (41) 3222-2422. Al-Anon: (41) 3225-7017 ou Rua 24 de Maio, 95, anexo à Igreja Bom Jesus (Curitiba).

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