Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Violência

Sob a sombra da tortura

Paraná registra, em média, 6 denúncias de abusos físicos por mês. Falta de provas técnicas e corporativismo policial dificultam punição

Vítima do abuso de força da polícia, Ismael nunca mais foi o mesmo: ver alguém de farda o deixa em pânico | Brunno Covello/ Gazeta do Povo
Vítima do abuso de força da polícia, Ismael nunca mais foi o mesmo: ver alguém de farda o deixa em pânico (Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo)
Cleomar mostra camisa rasgada e laudo que atesta a tortura |

1 de 1

Cleomar mostra camisa rasgada e laudo que atesta a tortura

Os hematomas e feridas já desapareceram do corpo de Ismael Ferreira da Conceição, de 20 anos. Mas a sessão de tortura a que ele foi submetido um ano e meio atrás, por policiais militares da Unidade Paraná Seguro (UPS) do Uberaba, ainda assombra o rapaz. Ele evita sair de casa e entra em pânico simplesmente ao ver um agente fardado.

INFOGRÁFICO: Paraná é o quarto estado em número de denúncias

Levantamento da Se­cre­taria Nacional de Direitos Humanos (SDH) revela que, em média, seis denúncias de tortura como a de Ismael são feitas todos os meses no Paraná. Só nos cinco primeiros meses deste ano, a SDH recebeu 32 acusações oriundas do Paraná.

No país, os números assustam. Foram mais de 1,6 mil casos relatados no ano passado e 544 até o fim de maio de 2013. Boa parte se refere a torturas cometidas por policiais. Ainda assim, estima-se que o volume de torturados seja expressivamente maior, já que o medo silencia as vítimas e as instituições policiais tendem a ocultar os abusos.

"A tortura está institucionalizada entre as polícias. É um tratamento cultural, em que o policial pega o suspeito, já vai xingando, dando tapa na cabeça. E o que a gente consegue apurar é um número ínfimo em relação ao que de fato acontece, porque depende de a vítima tomar coragem e apresentar a denúncia", afirma o promotor André Pasternak Glitz, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Provas

Na apuração dos casos, a principal dificuldade é comprovar tecnicamente que os abusos ocorreram. As lesões precisam ser documentadas por exames e laudos oficiais, feitos no Instituto Médico-Legal (IML). O problema é que o encaminhamento das vítimas a essas análises fica a cargo dos próprios torturadores.

"Muitas vezes, quando há a denúncia, os vestígios da tortura já desapareceram sem a vítima ter sido submetida ao exame. Fica a palavra dela contra a palavra do policial. Outras vezes, os agressores simplesmente se recusam a encaminhá-las ao IML ou, não raro, permanecem no local do exame, intimidando-as", diz o juiz Luciano Losekann, auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A falta de materialidade se traduz em impunidade. Entre janeiro de 2011 e julho deste ano, o Gaeco de Curitiba instaurou 32 procedimentos para apurar denúncias de tortura. Apenas em sete deles se conseguiu elementos suficientes para encaminhar a denúncia à Justiça – entre eles, o caso Tayná, em que 16 pessoas (a maioria policiais) são alvo de processo penal pela tortura cometida contra quatro suspeitos do crime. Outros 17 casos acabaram arquivados por falta de provas.

"Como a tortura é praticada nos porões de nossas delegacias ou em locais ermos, raramente você vai ter uma testemunha ocular do fato. Então, sem a prova material, a chance de não haver denúncia é de 90%", lamenta Glitz.

Interrogatório sem advogado dá margem para excessos

Para as autoridades, a "precariedade" e a "defasagem" dos mecanismos de investigação – assentados no inquérito policial – deixam margem para que as torturas perpetradas por agentes públicos continuem a ocorrer. "Em muitos casos, a única prova é a confissão do suspeito. A confissão se torna um elemento fundamental para o sistema investigatório. Se o suspeito confessar, resolve o problema da polícia. Enquanto a gente tiver isso, as pessoas vão continuar apanhando para confessar crimes", avalia o promotor André Glitz, do Gaeco.

Além disso, um instrumento previsto no Código Penal potencializa a vulnerabilidade das vítimas. Trata-se de uma declaração que, assinada pelo suspeito, permite que ele seja ouvido sem a presença de um advogado. Longe dos olhos da lei, os excessos ocorrem.

"Muitas vezes, os suspeitos são obrigados a assinar, sem sequer saber o que estão assinando. Sem o defensor, são agredidos para dizer que cometeram determinados crimes", afirma a representante paranaense da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Isabel Mendes.

Prevenção

O juiz Luciano Losekann ressalta que uma medida simples para assegurar a legalidade nos procedimentos seria filmar os interrogatórios. "Mas o principal problema é que as Defensorias Públicas são incipientes no Brasil. É preciso assegurar ao preso o direito ao advogado", lembra.

Para o delegado-geral, Riad Farhat, chefe da Polícia Civil, a tortura ainda está presente nas forças de segurança, mas os casos estão mais raros. "Quando entrei na polícia, era mais corriqueira, mas hoje é mais pontual", diz.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.