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Julgamento

STF pode abrir caminho para 750 mil novas ações com mudança no Marco Civil da Internet

Julgamento no STF sobre Marco Civil da Internet pode abrir caminho para responsabilização automática de plataformas. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta semana um julgamento que promete balançar as estruturas da internet no Brasil e reconfigurar o papel das plataformas digitais. Em pauta, o artigo 19 do Marco Civil da Internet – legislação que, desde 2014, vem sendo considerada uma referência para o equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilização no ambiente digital.

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Atualmente, o Marco Civil condiciona a responsabilização das plataformas à existência de uma ordem judicial que determine a remoção do conteúdo ilícito. Mas a Corte discute a adoção de um modelo de responsabilidade objetiva, no qual as empresas seriam responsabilizadas independentemente de notificação prévia. Essa mudança tem potencial para transformar o cenário jurídico e social.

Segundo o estudo "O Preço da Moderação", elaborado pelo think tank Reglab – uma entidade com ligações com big techs – a adoção da responsabilidade objetiva poderá inundar o Judiciário com até 754 mil novas ações entre 2025 e 2029, com um custo estimado em R$ 777 milhões. O estudo analisa quatro cenários possíveis, cruzando o grau de responsabilização a ser fixado pelo STF e a velocidade de propagação dos efeitos da decisão. Mesmo no cenário mais moderado, com modulações, o impacto seria expressivo: 584 mil processos e R$ 604 milhões em custos no mesmo período.

"O impacto projetado é conservador", afirma Pedro Ramos, diretor do Reglab ao JotaInfo. Ele destaca que o cálculo foi feito com base em ações simples, como atraso de voo ou cobrança indevida, enquanto ações envolvendo ofensas ou disputas complexas na internet tendem a demandar mais tempo, perícia técnica e custos judiciais elevados.

O Reglab, apesar de se apresentar como um centro independente de pesquisa, tem ligações com grandes empresas de tecnologia (big techs), o que levanta questionamentos sobre os interesses por trás da projeção. Afinal, o modelo atual – que depende de decisão judicial para responsabilização – é visto como mais favorável a essas empresas, por reduzir sua exposição a riscos financeiros e jurídicos.

No entanto, a adoção da responsabilidade objetiva, além de potencialmente elevar o número de processos, pode abrir espaço para uma indústria da indenização e incentivar a judicialização em massa. “Hoje existe uma indústria profissional de indenização. Podemos ter atores se organizando para fomentar ações em massa sobre o tema. O viés é para cima: certamente haverá incentivo à judicialização”, alerta Ramos.

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STF: entre a liberdade de expressão e o aumento da litigância

O julgamento no STF, que trata dos Temas 987 e 533, começou em novembro de 2024 e já conta com votos de Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. A expectativa é de que a Corte defina se o Brasil manterá a atual lógica de responsabilidade subjetiva ou se avançará para um regime mais rigoroso, que pode impactar a liberdade de expressão e sobrecarregar o Judiciário.

Embora os votos tenham abordado aspectos sobre moderação de conteúdo, especialistas alertam que o ponto central do julgamento é a responsabilização jurídica das plataformas. “Parece haver uma confusão entre moderação e responsabilidade. O julgamento é sobre quem paga a conta, mas as discussões têm focado mais no que será moderado do que no como”, resume Ramos.

Regulação internacional e caminhos possíveis

A responsabilidade subjetiva adotada pelo Marco Civil brasileiro se alinha a legislações modernas, como o Digital Services Act da União Europeia, que evitam o modelo de responsabilização automática. Segundo Ramos, nenhuma das principais democracias adota a responsabilidade objetiva, com exceção de regimes como China e Irã.

O estudo do Reglab sugere alternativas para mitigar os efeitos colaterais, caso o STF opte por flexibilizar o artigo 19:

  • Definir hipóteses objetivas e limitadas para o modelo de notice and takedown, evitando remoções abusivas e insegurança jurídica;
  • Exigir tentativas prévias de solução extrajudicial, como notificações formais ou mediação, antes de permitir ações judiciais;
  • Proibir o reconhecimento automático de dano moral presumido, que poderia inflar custos e estimular litígios oportunistas;
  • Reforçar obrigações sistêmicas de transparência e diligência para as plataformas, especialmente em contextos democráticos sensíveis, como eleições.

Com o julgamento em fase decisiva, o Brasil está diante de um dilema: manter o equilíbrio do Marco Civil da Internet ou adotar uma abordagem que pode favorecer a litigância e gerar custos bilionários para o Judiciário – e para a própria sociedade.

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